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SOS Amazônia apresenta resultados de monitoramento de queimadas no Acre

Promove ações de monitoramento, combate e conscientização da atividade de fogo, em três municípios do Acre: Marechal Thaumaturgo (na Reserva Extrativista Alto Juruá, bacia do rio Juruá), Feijó e Tarauacá, ao longo da BR 364, abrangendo os rios Envira e Tarauacá.

Por Wendeson Castro

Em novembro deste ano foi apresentado uma segunda comunicação, assinada por 11258 cientistas, reiterando a atual emergência climática que a humanidade enfrenta no interior do Antropoceno*, na qual o desmatamento e mudança climática são as fontes decisivas da perda de biodiversidade e, por consequência, dos serviços ambientais vitais fornecidos pela floresta em pé para a vida do planeta. 

Tais ameaças graves a biodiversidade e a integridade do sistema terrestre como o desmatamento e mudança climática, por exemplo, são suficientes para qualificar quase metade das árvores Amazônicas como ameaçadas de extinção, conforme critérios da International Union for Conservation of Nature, a IUCN.

Modelagens recentes, pautadas em cenários Business-as-usual e Governance, mostram que o desmatamento e a mudança climática devem causar o declínio de 58% da riqueza de árvores da Amazônia até 2050, afetando de forma significativa 96% das árvores hiperdominantes da Amazônia, que respondem por cerca de 50% da ciclagem de carbono deste ecossistema, mas somente se não somos agora hábeis e sapientes o suficiente agora, no atual estado de emergência da vida no planeta Terra. Porque é possível acessar, implementar e aperfeiçoar ações e modelos sustentáveis de desenvolvimento à luz tanto de Amazônia 4.0 quanto de Gaia 2.0, quando assumimos a nossa responsabilidade e tomamos consciência das consequências globais de nossas ações à saúde do planeta.

Esta principal fonte anual de destruição de bilhões de anos de evolução da história da vida no planeta Terra, especificamente, o desmatamento, pode causar o declínio de 19-36% da riqueza de árvores da Amazônia nas próximas três décadas. Neste 2019, o desmatamento explodiu na Amazônia Brasileira diante de uma forte contribuição induzida por ações manifestadas por agentes públicos, funcionando como o alicerce de ações ilegais de desflorestamento e de uso do fogo e, devido ao enfraquecimento de instrumentos públicos de combate e controle do desmatamento ilegal na Amazônia.


Em 2019, houve perda de 9.762km² de floresta

A perda de 9.762 km² de floresta, em 2019, consiste na maior variação entre um ano e outro desde 1995. Isso corresponde a um acréscimo de 30% em relação ao ano de 2018 e mostra uma tendência de aumento da área desmatada desde 2008, cuja tendência do desmatamento era de declínio na Amazônia Legal. Em adição, esta perda de 2019 corresponde a mais de duas vezes os 4751 km2 desmatados de 2012, a menor taxa anual de desmatamento da série histórica observada e esperado no The End of Deforestation in the Brazilian Amazon.


Portanto, essa perda florestal, de fato, reafirmou a ativação do estado de alerta e emergência da sociedade planetária no início do presente ano, quando o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (DETER) mostrou os sinais do que vimos a ser transformado em um ano atípico muito perigoso para a saúde pública - sem a contribuição do efeito de um evento climático extremo como as secas severas de 2005 e 2010, mas provocado, especialmente, pela ação do Homo sapiens Linnaeus 1758 no Antropoceno.

Observações in loco das queimadas de 2019 na Bacia do Juruá

A partir de ações emergências, com o apoio do WWF Brasil, entre outubro e novembro, nos municípios de Marechal Thaumaturgo (na Reserva Extrativista Alto Juruá, bacia do rio Juruá), Feijó e Tarauacá, ao longo da BR 364 e abrangendo os rios Envira e Tarauacá, o time* da SOS Amazônia foi hábil para observar in loco as áreas queimadas e dialogar com os comunitários sobre os principais desafios da conciliação saudável de suas atividades agrícolas de subsistência e econômica, incluindo as soluções apontadas pelos próprios comunitários para reduzir o impacto do uso de fogo na saúde pública e bem-estar humano.

Por consenso, os comunitários destacam que a prática habitual do fogo em suas atividades agrícolas continua sendo realizada porque eles não possuem assistência adequada e/ou acesso a alternativas de menor impacto na saúde ambiental para suas atividades anuais de subsistência, em especial, onde os serviços públicos são insuficientes ou ausentes como foi observado in loco pelo time de brigadistas funcionando como agentes mediadores da conscientização da atividade de fogo.

Conforme destacam Sebastião Albuquerque de Oliveira e Raimunda Domingues do Nascimento, do Seringal Curralinho, município de Feijó, “prejudicando pouco ou não”, o uso do fogo ainda consiste na única ferramenta acessível e disponível, apesar de termos outras alternativas mais saudáveis como as práticas com base em roçados sustentáveis ou ainda por meio de máquinas (monocultivadores individuais ou coletivos) que devem ser fatores decisivos para reduzir o uso do fogo nas atividades agrícolas de subsistência e econômicas, garantindo a segurança alimentar e ambiental.

Resultados do monitoramento

As observações dos 352 relatórios de campo, incluindo os três municípios, mostraram que na escala local, 51,4% das áreas queimadas foram em Florestas Primárias, 42,9% em Florestas Secundárias (capoeiras abandonadas de diferentes idades e histórico de uso), 5,4% em Pastagens e 0,3% do total de observações na categoria Uso Não-Identificado. A área queimada na categoria Floresta Primária (344 hectares) representou mais de 61% da área total queimada (561 ha), enquanto as categorias Floresta Secundária e Pastagens totalizaram, respectivamente, 167 ha e 50 ha de área queimada em 2019.

A principal finalidade do uso do fogo nestas coberturas foi para culturas de subsistência, em especial, as Culturas Temporárias (Ex.: Graníferas e Cerealíferas como o milho), que responderam por 51% das queimadas nas Florestas Primárias e mais de 75% nas Florestas Secundárias, e cujas as áreas médias desmatadas nestas categorias foram, respectivamente, 1,9±1,9 hectares (média e desvio padrão) e 1,1±0,7 hectares de área queimada.

Estas observações na escala local, especialmente nas Florestas Primárias, indicam um impacto significativo em potencial gravíssimo e, muito provavelmente, associado com a expectativa de arrendamento de terra para produção pecuária estimulada e pressionada por grandes pecuaristas, haja visto que, de acordo com os comunitários e técnicos da SOS Amazônia, uma área maior que 1,5 hectare pode ser inviável para manutenção agrícola de subsistência por uma família com dois membros familiares trabalhando com a terra.


O município de Feijó, em 2019, apresentou pelo menos duas áreas desmatadas maiores que 90 hectares (ou mais de 81 campos de futebol) e área média desmatada em torno de 10 hectares conforme mostram observações do DETER. Então, esta expectativa estimulada e pressionada pela pecuária extensiva, uma forma de produção pecuária de alto impacto e baixa produtividade, deve explicar em parte a tendência de aumento da área desmatada em pequena escala que fora observada por Michelle Kalamandeen e colaboradores (2018).


Por exemplo, neste estudo comunicado na notável Scientific Reports, os autores mostraram um aumento de 34% da área desmatada em pequena escala (< 1 hectare) entre 2001-2007 e 2008-2014, apesar da redução significativa do desmatamento em grande escala (> 50 hectares) nesse período, como um resultado dos mecanismos e processos observados e presentes no The End of Deforestation in the Brazilian Amazon.

Em outras palavras, temos nas mãos as ferramentas e os instrumentos públicos para extinguir o desmatamento na Amazônia. Do contrário, estaremos reféns ainda de discursos e ações de alta nocividade à vida como foram os proferidos por agentes públicos e políticos, se estivermos a persistir inertes como o atual Ministério do Meio Ambiente da República Federativa do Brasil, quando infratores ambientais, senadores e deputados defendem desde a suspensão de fiscalização a tentativa de redução ou eliminação de Áreas Protegidas da Amazônia.

“E ainda acredito que o maior perigo não é a inação. O verdadeiro perigo é quando políticos e diretores de empresas fazem parecer que uma ação real está acontecendo quando, na verdade, quase nada está sendo feito além de contabilidade inteligente e propagandas criativas”, enfatizou Greta Thunberg, a consciente e principal ativista do ambiente terrestre, durante a Conferência sobre Mudança Climática da Organização das Nações Unidas, a COP25, realizada no início do presente mês em Madri.


Assim, as observações apresentadas aqui mostram que ações governamentais, privadas, não-governamentais e da sociedade como um todo, são urgentes e cruciais para prover e implementar agora as soluções que não estejam presentes apenas em discursos e ações políticas vagas, nocivas e pouco ou nada efetivas para mitigar e eliminar o efeito nocivo de nossas ações à saúde do planeta.

Juntos transformamos realidades. Doe.


*O antropoceno é um termo recente usado na geologia para descrever a época mais recente na qual o efeito das atividades humanas são reconhecidas com base em evidências, por exemplo, de aumento de temperatura do sistema terrestre provocadas pela atividade humana. Sendo, portanto, tema de discussão atual e de consenso pela maior parte da comunidade científica global. Em outras palavras, estamos no banco do motorista dirigindo a concentração e estabilidade do ar atmosférico que respiramos e somos responsáveis pelas observações atuais de mudança climática global.

*Três equipes formadas por quatro brigadistas cada e uma sala de situação composta de três pessoas, usando um formulário de campo adaptado de Cobertura e Uso da Terra do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Referências
[1] William J Ripple et alli (2019). World Scientists’ Warning of a Climate Emergency, BioScience, , biz088, https://doi.org/10.1093/biosci/biz088.

[2] Nature – Editorial (2011). The human epoch. Nature, (473):254. doi:10.1038/473254a

[3] Subramanian, Meera | Nature News (2019). Anthropocene now: influential panel votes to recognize Earth’s new epoch. Nature: doi: 10.1038/d41586-019-01641-5.

[4] Vitor H. F. Gomes et alli (20019). Amazonian tree species threatened by deforestation and climate change. Nat. Clim. Chang. 9, 547–553 (2019) doi:10.1038/s41558-019-0500-2.

[5] Sophie Fauset et alli (2015). Hyperdominance in Amazonian forest carbon cycling. Nature Communications 6, 6857 (2015) doi:10.1038/ncomms7857. 

[6] Nobre, Ismael & Carlos Nobre (2019). Projeto “Amazônia 4.0”: Definindo uma Terceira Via para a Amazônia. In: Sorj, Bernardo; Soupizet, Jean-Francois; Fausto, Sergio (Org.). Futuribles em Português. Plataforma Democrática, Número 2. Fundação Fernando Henrique Cardoso | Centro Edelstein, 2019, São Paulo, SP, Brasil. Disponível em: http://www.plataformademocratica.org/Arquivos/Futuribles2/Futuribles2_ProjetoAmaz%C3%B4nia4.0.pdf. Acesso em: 29 de Outubro 2019.

[7] Timothy M. Lenton & Bruno Latour (2018). Gaia 2.0. Science 14 Sep 2018: Vol. 361, Issue 6407, pp. 1066-1068 DOI: 10.1126/science.aau0427.

[8] Herton Escobar - Science News (2019). Brazil’s deforestation is exploding—and 2020 will be worse. doi:10.1126/science.aba3238. Disponível em: https://www.sciencemag.org/news/2019/11/brazil-s-deforestation-exploding-and-2020-will-be-worse. Acesso em: 23 de Novembro de 2019.

[9] Moreno, A. C. – G1-Globo. Em carta aberta, servidores do Ibama listam medidas para impedir ‘colapso da gestão ambiental federal’. Disponível em: https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/08/26/em-carta-aberta-servidores-do-ibama-listam-medidas-para-impedir-colapso-da-gestao-ambiental-federal.ghtml. Acessado em: 04 de Setembro de 2019.IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística da República Federativa do Brasil (2013). Manuais técnicos em geociências: Manual Técnico de Uso da Terra. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 

[10] Maranho, Álisson & Castro, Wendeson - SOS Amazônia (2019). Desmatamento na Amazônia tem a maior elevação desde 2028. Disponível em: https://www.google.com/url?q=http://54.201.142.74/conteudo/2019/11/21/desmatamento-na-amazonia-tem-a-maior-elevacao-desde-2008/&sa=D&ust=1577726076932000&usg=AFQjCNE9PQVGLO6SWt-j2v-nFZuQmVCupw. Acesso em 30 de Dezembro de 2019.

[11] Daniel Nepstad et alli (2009). The End of Deforestation in the Brazilian Amazon. Science 04 Dec 2009: Vol. 326, Issue 5958, pp. 1350-1351 DOI:10.1126/science.1182108. 

[12] IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística da República Federativa do Brasil (2013). Manuais técnicos em geociências: Manual Técnico de Uso da Terra. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 

[13] Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Coordenação geral de Observação da Terra. Programa de Monitoramento da Amazônia e Outros Biomas. Desmatamento – Amazônia Legal – Available at http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/downloads/. Accessed: December 23, 2019

[14] Michelle Kalamandeen et alli (2019). Pervasive Rise of Small-scale Deforestation in Amazonia. Sci Rep 8, 1600 (2018) doi:10.1038/s41598-018-19358-2. 

[15] Fabiano Maisonnave – Folha de São Paulo. Após se reunir com infratores ambientais, Salles suspende fiscalização na reserva Chico Mendes. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2019/12/apos-se-reunir-com-infratores-ambientais-salles-suspende-fiscalizacao-na-reserva-chico-mendes.shtml. Acesso em: 04 Dezembro 2019. 

[16] ONU News (2019). Veja o discurso completo em português de Greta Thunberg na COP 25. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2019/12/1697531. Acesso em: 14 dezembro 2019.
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