A criação de territórios protegidos é considerada, em todo o mundo, a principal política pública para a preservação das florestas, sendo, assim, um método indispensável para combater a perda da biodiversidade.
É uma política com amparo em dois eixos essenciais de proteção ambiental: o preservacionismo, que é a proteção da natureza como fim em si mesma, sem levar em conta os benefícios econômicos que dela podem originar, e o conservacionismo, que tem como ideologia a possibilidade do uso sustentável dos bens e serviços naturais em harmonia com as necessidades humanas e proteção da natureza.
Espaços Territoriais Especialmente Protegidos (ETEP)
No Brasil, a delimitação de áreas protegidas pelo Poder Público surgiu, mesmo que de forma simplificada, desde os tempos imperiais, com base em experiências de outros países, como os Estados Unidos (pioneiros a partir da criação, em 1872, do Parque Nacional de Yellowstone). No nosso país, a prática de consolidou em 1937, com a criação do Parque Nacional de Itatiaia, na Serra da Mantiqueira, entre os estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Porém, a norma máxima que passou a reforçar a necessidade de o Poder Público definir esses espaços foi a nossa Constituição Federal de 1988, no art. 225, §1º, III, que determina o seguinte:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
[...]
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; (grifo nosso)
Com base nessa leitura, podemos concluir que os espaços territoriais especialmente protegidos (ETEP), resguardados pela Constituição, são áreas que possuem um regime especial de gestão, com o objetivo de proteger a biodiversidade, os bens e serviços naturais, e qualquer atributo natural que tenha sido essencialmente reconhecido pelo Poder Público.
É importante lembrar que os ETEP consistem em um termo genérico que engloba todos os territórios especialmente protegidos, como, e não somente, as Reservas Legais, as Áreas de Preservação Permanente, as Reservas da Biosfera e, inclusive, as Unidades de Conservação.
O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), Lei nº 9.985/2000
Em face à necessidade de regulamentar o art. 225, §1º, III da Constituição Federal, que vimos acima, foi editada a Lei nº 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional das Unidades de Conservação da Natureza, que desenvolveu e organizou ideias em discussão desde 1988. O SNUC criou, então, as Unidades de Conservação, definindo seu conceito como:
Art. 2º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I - unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção; (grifo nosso)
As Unidades de Conservação fazem parte de um sistema nacional e podem ser criadas e administradas pelos governos federal, estadual e municipal. Além disso, são divididas em dois grupos: as Unidades de Proteção Integral, destinadas à preservação da natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos recursos naturais, salvo exceções previstas na Lei, e as Unidades de Uso Sustentável, cujo objetivo principal é conciliar a conservação da natureza com o uso sustentável dos bens e serviços naturais.
Assim, o SNUC instituiu doze categorias de Unidades de Conservação. Dentre elas, algumas já existentes anteriormente e outras inéditas no âmbito nacional. Na tabela abaixo, estão elencadas as doze categorias e suas principais características – o grupo no qual está incluída, a finalidade para a qual foi criada, a quem pertence e as possibilidades de visitação pública e de desenvolvimento de pesquisas:
A Lei do SNUC, portanto, estabelece normas e critérios a serem observados para criação e administração de Unidades de Conservação, determinando condições específicas de gestão para cada categoria, com o objetivo central de proteger a natureza e os recursos ambientais. Essas áreas protegidas podem ser públicas e privadas, instituídas apenas por ato do Poder Público (como decretos e leis), mas sua alteração ou extinção somente pode ocorrer por meio de lei, como garantia de maior segurança jurídica.
Em relação à gestão, as Unidades de Conservação federais, ou seja, criadas pela União, são geridas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama). Aquelas instituídas pelos estados e municípios terão seus órgãos de gestão próprios.
A importância das Unidades de Conservação
As Unidades de Conservação não são essenciais unicamente para a proteção da biodiversidade, já que seus benefícios vão além do simples preservacionismo. Elas possuem papel fundamental no desenvolvimento de pesquisas científicas (sobre fauna, flora, ecossistemas, etc.) executadas por instituições de ensino superior, muitas vezes em parcerias com o Poder Público e organizações não governamentais. Esse tipo de uso é permitido em todas as categorias e fortemente incentivado em algumas delas.
As Unidades de Uso Sustentável possuem, ainda, o componente benéfico voltado ao crescimento socioeconômico, já que estimulam o manejo dos bens e serviços naturais em harmonia com a proteção da natureza. Essa gestão conservacionista da área possui grande potencial para investimentos em modelos de economia sustentável de origem florestal. É o caminho fundamental a ser tomado para a promoção do desenvolvimento sustentável nos países de florestas tropicais.
Outra contribuição relevante das Unidades de Conservação é a proteção sociocultural que essas políticas promovem. O extrativismo, por exemplo, é o modo de vida mais antigo do ser humano, antes mesmo do desenvolvimento da agricultura. Esse saber ancestral não é apenas uma prática com foco na sobrevivência, é parte integrante da cultura de populações tradicionais que dependem dos bens e serviços ambientais.
Por isso, a delimitação, gestão e conservação dessas unidades asseguram a soberania das comunidades tradicionais em vários aspectos culturais, como ocorre nas Reservas Extrativistas. Por outro lado, retirar as pessoas dos seus territórios, alterar negativamente seus modos de vida ou possibilitar que atividades econômicas degradadoras sejam realizadas na área protegida, significa violar diretamente o direito fundamental dessas populações ao reconhecimento da sua identidade, de desenvolverem suas práticas culturais tradicionais em harmonia com a natureza.
Referências
CÂMARA, Ana Stela Vieira Mendes. Direito constitucional ambiental brasileiro e ecocentrismo: um diálogo possível e necessário a partir de Klaus Bosselmann – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.
Constituição Federal de 1988 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.
Lei do Sistema Nacional das Unidades de Conservação da Natureza, Lei nº 9.985/200. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm.
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Proteção jurídica da flora – Salvador: Editora JusPodivm, 2019.
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 18ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
Daniella Brum é analista de Políticas Públicas e Advocacy