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Extrativistas participam de oficina sobre associativismo e gestão de negócios

À sombra de um jambeiro, cerca de 20 extrativistas da Resex Chico Mendes participaram de oficina sobre associativismo e gestão de negócios, realizada no Seringal Porongaba, nos dias 21 e 22 de outubro. O encontro faz parte de um ciclo de oficinas promovidas pela SOS Amazônia, por meio do projeto Nossabio (LIRA/IPÊ), com o objetivo de fortalecer a governança de associações comunitárias em Unidades de Conservação. Além de moradores do Seringal Porongaba, a oficina também reuniu extrativistas dos seringais Filipina e São Cristóvão.

As atividades são conduzidas pelo administrador e consultor Leonardo Lopes, com foco no funcionamento e estrutura de associações comunitárias, gestão participativa e obrigações fiscais e financeiras. Na visão do consultor, a organização social de comunidades extrativistas é o caminho para o fortalecimento de suas atividades. “A associação é um bem, um instrumento de fortalecimento e liberdade para esses extrativistas desenvolverem atividades sociais, produtivas, econômicas e políticas”, diz.

O conteúdo das aulas práticas e teóricas, incluindo dinâmicas de grupo e atividades lúdicas, é direcionado à cadeia produtiva do açaí, percorrendo todos os elos da cadeia, desde a coleta até a comercialização. O extrativista Gilmar de Lima, morador do Seringal Filipina, considera que a implantação dessa cadeia produtiva possui diversos gargalos, dentre eles, a logística de escoamento da produção durante o inverno amazônico (estação chuvosa), quando boa parte dos ramais (estradas de terra que dão acesso às comunidades) ficam intrafegáveis.

Cooperação: associativismo é um movimento coletivo com foco na união de pessoas para transformação da realidade em que vivem (Foto: SOS Amazônia)

Gilmar acredita que os desafios podem ser superados com a adoção de boas práticas de manejo e organização comunitária, com venda coletiva do açaí produzido na região. “Se a nossa turma se unir, nós vamos dar exemplo para que outras comunidades possam preservar mais a Reserva. Nossa expectativa é que daqui a dois anos possamos colher os frutos do que foi planejado nessa oficina”, almeja. Na Colocação Santa Eugênia, onde reside, Gilmar pretende conciliar o cultivo de açaí com banana, borracha, cacau e graviola.

De acordo com Leonardo Lopes, os princípios do associativismo aplicados ao desenvolvimento de cadeias produtivas sustentáveis possibilitam a cooperação entre as pessoas e conservação de recursos florestais. “Associativismo é um movimento coletivo com foco na união de pessoas para transformação da realidade em que vivem, a partir das necessidades e objetivos comuns a todos”, explica Leonardo.

Adair Duarte, coordenador de Projetos da SOS Amazônia, considera que a gestão participativa de associações comunitárias e núcleos de base assume a função de cogestão de áreas protegidas. “O bom funcionamento das associações comunitárias fortalece a governança dos territórios e contribui com a gestão de Unidades de Conservação”, diz.

Oficina de associativismo e gestão de negócios reuniu extrativistas dos seringais Porongaba, Filipina e São Cristóvão (Foto: SOS Amazônia)

Novas lideranças
Para que pudesse traçar um modelo de gestão das associações, Leonardo Lopes precisou conhecer a realidade dos extrativistas e o histórico das comunidades. Ele constatou que o surgimento de novas lideranças é um ponto frágil para o bom funcionamento das associações. “Um dos problemas que detectamos é a centralização. Geralmente, uma pessoa cuida de tudo, sem delegar papéis para outros membros da associação”, avalia Leonardo.

Por outro lado, foi expressiva a participação de jovens e mulheres durante as oficinas de associativismo. “Encontros como esses permitem um novo estímulo e uma renovação da participação popular nos núcleos de base”, conclui Leonardo.

A extrativista Vanusa Silva é líder comunitária na Colocação Cajá de Cima, no Seringal São Cristóvão, onde reside. Ela se desdobra nas funções de mãe, esposa, produtora rural, liderança e mulher amazônica. Aos 42 anos, Vanusa realiza o sonho de completar o ensino médio. “Para quem não acredita em si próprio e talvez já tenha enterrado seus sonhos, eu digo: não coloque um ponto final no seu sonho, coloque uma vírgula. Depois de muita batalha, eu tive a felicidade de conseguir o que queria”, comemora.

A extrativista Vanusa Silva, liderança comunitária no Seringal São Cirstóvão, realiza o sonho de completar o ensino médio (Foto: SOS Amazônia)

Contexto sociocultural
As associações comunitárias são representações sociais de produtores e extrativistas e, embora estejam localizadas em diferentes Unidades de Conservação, apresentam baixa maturidade administrativa e desafios comuns à realidade amazônica, especialmente nos seringais, caracterizados pela informalidade e modo de vida autônomo. “A cultura do ciclo da borracha ainda permeia as relações. Ao trabalhar com associativismo, a gente lida com essa cultura a todo momento”, observa Leonardo.

A estrutura social de um seringal não favorece a organização comunitária, visto que os extrativistas residem em colocações que ficam distantes entre si e não existe a referência de um núcleo urbano que possibilite a prática de discutir coletivamente assuntos relevantes para a comunidade. O distanciamento geográfico aliado à informalidade caracteriza os principais desafios que as associações comunitárias enfrentam em seu processo de estruturação.

Com a criação das Unidades de Conservação e a implantação de um modelo de gestão participativa, as comunidades passaram a se organizar em núcleos de base e associações extrativistas. Contudo, esse modelo de organização social é relativamente recente e os moradores ainda não têm experiência com a formalidade e a burocracia que esse tipo de gestão exige. Por isso, muitas associações apresentam pendências fiscais e financeiras.


Projeto Nossabio
O Projeto Nossabio foi aprovado em dezembro de 2019, por meio do Legado Integrado da Região Amazônica (LIRA), programa brasileiro de conservação idealizado pelo Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), com recursos do Fundo Amazônia e da Fundação Gordon e Betty Moore. O programa foi concebido para aumentar a efetividade de gestão das áreas protegidas da Amazônia, como Unidades de Conservação e Terras Indígenas, bem como estruturar cadeias de valor a partir de produtos da sociobiodiversidade, como açaí, borracha e cacau.

Cerca de 315 famílias são contempladas em cinco Unidades de Conservação (UCs): Reserva Extrativista Chico Mendes, Reserva Extrativista do Cazumbá-Iracema, Floresta Nacional de São Francisco, Florestal Nacional do Macauã (no Acre) e Parque Estadual de Guajará-Mirim (em Rondônia). A SOS Amazônia é responsável pela gestão operacional do projeto em estreita ligação com organizações sociais, cooperativas e associações extrativistas de cada uma das unidades.



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