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Seringueiras de Feijó participam de oficina do projeto Mulheres da Borracha

A viagem teve início em Rio Branco, capital do Acre, até a cidade de Feijó, distante cerca de 360 quilômetros de estrada esburacada, o que faz aumentar de cinco para sete horas o tempo de deslocamento. Em Feijó, pausa para uma noite de sono, a fim de recuperar as energias para a navegação do dia seguinte. A viagem de barco pelo Rio Envira levou cerca de oito horas em uma embarcação com motor de média potência. Depois do longo percurso pelo sinuoso rio de águas barrentas, a equipe formada por mulheres finalmente chegou à comunidade Santa Rosa, localizada às margens do Rio Envira.

Ao atracar na beira do rio, desembarcaram Edneyda Aguiar, Rosa Maria, Gabriela Antonia, Eliz Tessinari, Fernanda Fernandes, Débora Almeida e Viollete Combe. Por lá, 18 mulheres agroextrativistas e ribeirinhas estavam à espera para participar de oficina realizada no dia 3 de junho pelo projeto Mulheres da Borracha, desenvolvido pela SOS Amazônia, Instituto de Desenvolvimento Social e Departamento Zelar, responsável pela política socioambiental da empresa Veja/Vert. A emoção do encontro é ainda maior porque é a primeira vez em que essas mulheres participam de uma oficina dedicada exclusivamente ao empoderamento feminino e ao protagonismo da mulher na cadeia extrativista da borracha.

O ciclo de oficinas do projeto Mulheres da Borracha já alcançou mais de 900 mulheres residentes em reservas extrativistas, florestas nacionais, projetos de assentamento e comunidades rurais de 14 dos 22 municípios do Acre. Com o lema ‘borracha sustentável é produção familiar’, o projeto evidencia que as mulheres também estão envolvidas nas diversas etapas da cadeia produtiva, desde o corte, passando pelo beneficiamento do látex até a comercialização.

Para muitas mulheres, ainda é uma surpresa se reconhecer como seringueiras ou extrativistas, já que, até então, elas estavam condicionadas à função de ajudante do homem e quem sempre respondia pela atividade era o pai, o marido, o irmão... Na cadeira da borracha, Maria José da Silva sabe fazer quase tudo: raspa, corta, colhe, coalha, imprensa, lava e, mesmo assim, não se sentia empoderada o suficiente para se definir como seringueira.

“Eu gosto muito de trabalhar na zona rural, gosto de limpar o roçado, gosto de trabalhar na floresta. Eu nasci e me criei na floresta e sou grata por ter criado meus filhos todos trabalhando na floresta. Antes, eu achava que só ajudava, mas agora eu sei que sou seringueira também e estou muito alegre de ter aprendido agora o que eu nunca aprendi na minha vida”, conta a extrativista. Assim como as demais mulheres que participaram da oficina, Maria José é vinculada à Cooperativa Agroextrativista de Tarauacá (Caet), responsável por agregar a produção de borracha do município e regiões do entorno.
A extrativista Maria José relembra sua trajetória de vida e agora se sente empoderada para dizer: "sou seringueira" (Foto: SOS Amazônia)
Sair desse “lugar de sombra” e reconhecer-se como mulher extrativista parece algo simples, mas representa uma grande conquista, principalmente, se considerarmos que, na história da ocupação da Amazônia, as mulheres foram invisibilizadas ao longo desse processo e, historicamente, os homens ocuparam os lugares de poder, de tomada de decisão e de reconhecimento. A desigualdade entre homens e mulheres na cadeia da borracha é reflexo, portanto, de uma estrutura social dominada pelo patriarcado e tem raízes profundas na formação social do Acre.

Há quase 20 anos, a empresa francesa Veja/Vert utiliza borracha nativa para fabricação de tênis. Com o passar dos anos e a proximidade da empresa com as famílias produtoras de borracha, constatou-se que eram os homens quem estabeleciam a relação comercial, embora as mulheres também participem das diversas etapas da cadeia de valor. “A gente sempre falou do seringueiro, do produtor, mas agora a gente está falando de famílias produtoras, famílias seringueiras, porque a mulher faz parte da nossa cadeia da borracha, ela participa muito na unidade de produção. Por isso essas oficinas são estratégicas para mudar a percepção do papel da mulher dentro da cadeia da borracha”, diz Violette Combe, coordenadora do Departamento Zelar.

Débora Almeida, do Instituto de Desenvolvimento Social (IDS), explica que a metodologia adotada nas oficinas busca facilitar a compreensão das mulheres para que elas se reconheçam como integrante da cadeia da borracha e possam replicar as informações com outras mulheres de suas comunidades. “Elaboramos uma metodologia que fosse leve, suave, divertida, mas que também tocasse no coração das pessoas e que tivesse uma didática que fosse esclarecedora. São mulheres que não estão habituadas a participar de reuniões como essa e então tudo precisa ser bastante dinâmico para que elas saiam daqui com mais informações e, com isso, estar em pé de igualdade com os homens na tomada de decisão e para se reconhecer como trabalhadora rural”, explica Débora.
Histórias de vida: mulheres compartilham experiências e saberes em oficina do projeto Mulheres da Borracha (Foto: SOS Amazônia)
Cadeia de valor da borracha
Nessas andanças pelo território amazônico, Gabriela Antonia esteve à frente das oficinas comunitárias, muitas delas realizadas em locais de difícil acesso, que nunca tinham sido contempladas com projetos sociais, muito menos voltados especificamente para as mulheres. Nesses encontros, além de incentivar o empoderamento feminino, Gabriela leva informações sobre direitos previdenciários e a importância de ocuparem espaços de liderança em associações, cooperativas e sindicatos. “O projeto busca conversar com as mulheres e dizer que a função que elas fazem é um trabalho de produtoras rurais, das águas, das florestas, dos campos, e que nesse trabalho existem políticas públicas, direitos que foram conquistados ao longo de muitos e muitos anos, com muita luta e muita batalha de outras mulheres”, explica Gabriela.

A oficina realizada no Seringal Santa Rosa contou a participação de representantes do Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Feijó, que é uma das organizações de base que acompanham as famílias e atuam pela valorização da mulher. A presidente do sindicato, Rosa Maria, relembra que outras três comunidades de Feijó receberam oficina do projeto Mulheres da Borracha: Paranã do Ouro, Santo Antônio e Alto do Jurupari. Rosa observou que muitas mulheres deixavam de participar das oficinas porque precisavam cuidar dos filhos. "Uma das técnicas que eu vou levar pra mim, nas minhas viagens quando eu for pro seringal visitar as pessoas, é fazer reuniões com os homens e as mulheres e ter uma pessoa pra cuidar das crianças, como faz a SOS Amazônia durante as oficinas. Esse é um aprendizado muito riquíssimo, principalmente para as nossas seringueiras", ressalta Rosa Maria.
Gabriela Antonia, da SOS Amazônia, durante a realização de oficina do projeto Mulheres da Borracha com seringueiras de Feijó, no interior do Acre (Foto: SOS Amazônia)
A extração do látex foi, por muito tempo, o principal trabalho com renda da população acreana, sobretudo das famílias que viviam no interior da floresta e tinham como modo de vida o extrativismo. No final do século 19, durante o primeiro ciclo da borracha, havia alta demanda pelo látex oriundo da Amazônia, especialmente para a indústria automobilística. No entanto, o produto era pouco valorizado em termos econômicos e os trabalhadores viviam em um sistema de forma análoga à escravidão.

A busca por novos mercados, com preços justos e melhores condições de trabalho, motivou a reabertura de antigas estradas de seringa, desativadas desde a década de 1990, quando a borracha nativa era comercializada a preços irrisórios. Com incentivo da Veja/Vert, a tradicional coleta da seringa (re)surge como uma alternativa de renda e de resistência à degradação ambiental que coloca em risco a biodiversidade e os modos de vida de populações tradicionais.

Além do valor comercial por quilo de borracha, a Veja/Vert acrescenta o Pagamento por Serviço Socioambiental (PSSA), uma espécie de incentivo às famílias para conservação da floresta. O valor é pago à Cooperacre (Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Acre), que agrega dez cooperativas locais, que repassam o subsídio às famílias cooperadas.
Com o lema 'borracha sustentável é produção familiar’, projeto evidencia que as mulheres também estão envolvidas nas diversas etapas da cadeia produtiva (Foto: SOS Amazônia)

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