Blog SOS Amazônia

1º Fórum Indígena discute mudanças climáticas e serviços ambientais no Acre

PAINEL II - O papel das florestas e as soluções sustentáveis baseadas na natureza

Considerações de Miguel Scarcello ao tema do PAINEL II

Boa tarde a todos. Parabenizo a Assessoria dos Povos Indígenas, na pessoa da Francisca Arara pelo seu empenho e compromisso nesta função, e ao Governo do Acre pelo evento e pela atitude em fortalecer a participação dos povos indígenas na implementação dessa política. Agradeço pela SOS AMAZÔNIA o convite para participar.

Na prática, essa iniciativa governamental de reconhecer e fortalecer os povos indígenas vem avançando, mas poderia ser mais rápida, considerando todo histórico de esforços para implementá-la no Estado.

Entendo que os povos indígenas, e outros grupos sociais que são marginalizados, sofreram e sofrem por preconceito, exploração, escravismo, perseguição e genocídio. Essas populações não recebem a atenção e os investimentos, como estão determinados em políticas e leis existentes. Na verdade, deveriam protagonizar espaços de poder para o enfrentamento das ameaças em seus territórios, ocasionadas pelas mudanças climáticas.

Esses grupos, aos quais me refiro fazem parte da atual geração de indígenas, são eles os descendentes dos direitos originários, e herdeiros dessas terras. Além disso, são os detentores dos conhecimentos capazes de potencializar toda a riqueza que a floresta naturalmente possui. Se bem usada, entregará à humanidade os bens e soluções que precisamos para superar a crise humanitária e ambiental que os quase 8 bilhões de pessoas do planeta já enfrentam.

Na intenção de contribuir para esse protagonismo indígena quero, primeiro, renovar a leitura que fazemos sobre a floresta, tentando seguir, à risca, o que a Francisca requisitou que fosse abordado nesse Painel.

Inicialmente, não é demais ressaltar a importância das florestas. E mais especificamente essa banda sudoeste da Amazônia em que está o Acre. A floresta, no âmbito da continentalidade como um dos fatores do clima, influencia na sua dinâmica, como influencia diretamente no regime de chuvas, garante a oferta regular de água, capta e armazena o carbono e gases da atmosfera do efeito estufa. Possui uma diversidade biológica pouco conhecida, tanto de fauna quanto de flora, mas o pouco que se conhece indica a existência de espécies vitais para a humanidade, que podem ser vistos como ativos, culturais e econômicos, fundamentais.

Seja na oferta de madeira, na oferta de alimentos como a castanha e o cacau, de resinas e leites como a borracha, em óleos e gorduras de várias espécies: murmuru, buriti, açaí, ..., em medicamentos ou princípios químicos, extraídos da andiroba, copaíba, jamborandi, unha de gato e outros. Todos, atualmente, avançando para uma escala comercial maior do que estão hoje, tendo em vista a demanda crescente do mercado, a quantidade de empregos que geram e o benefício financeiro que promovem.

Ou seja, os biomas como a Amazônia ou o Cerrado, a Caatinga e outros, são fundamentais para a humanidade e a manutenção de um equilíbrio ecológico que vem dando condições, até hoje, ao desenvolvimento da vida humana.

As soluções sustentáveis baseadas na natureza dependem, necessariamente, dentre uma lista de condicionantes, primeiro, de uma forte governança política e social na implementação das políticas públicas, e em segundo lugar, da inteligência que a humanidade quer investir no sentido de manter a floresta em pé, mais especificamente no aspecto político e econômico, gerando renda e melhores condições de vida, em especial, para as suas populações tradicionais e povos indígenas, como defendia Chico Mendes.

Nessa linha de raciocínio do segundo ponto, defendo a tese de que se houvesse uma instituição de pesquisa com o foco em florestas, da mesma maneira que a EMBRAPA possui na agropecuária, criada em 1973, ou universidades como a ESALQ em Piracicaba/SP, metade do caminho estava realizado. Além da alta produção e produtividade, vemos o avanço que os bioinseticidas passaram a ter, como alternativa e substituição ao grande volume de agrotóxicos que o agronegócio hoje utiliza nos plantios de soja e milho, espalhados no país, que nos levam a ser o maior consumidor de agrotóxicos do planeta.

O Acre, com a sua histórica prática de ser um estado protagonista, que optou ser território do Brasil, e adota iniciativas inovadoras, ou melhor, sendo um estado prá frente, criou em 1987, no governo Flaviano Mello, há 36 anos, a FUNTAC, que veio para empreender uma política de promoção da floresta, contraditoriamente, priorizando a exploração madeireira, mas que incluía uma linha de pesquisa que deveria potencializar os produtos florestais não madeireiros.

Caso a pesquisa apoiada pela ITTO (Organização Internacional de Madeiras Tropicais) na Floresta Estadual do Antimari evoluísse, como proposto, no sentido de desenvolver modelo de manejo florestal, considerando também o uso múltiplo dos produtos da floresta, com certeza, hoje, estaríamos aqui comemorando, com uma indústria florestal forte e diversificada, sendo um importante ativo para diminuir o desmatamento e arrecadando mais benefícios.

Infelizmente, isso não avançou como previsto, e permanecemos na disputa insana de pressionar a floresta, desvalorizando seus ativos e penalizando as pessoas que conhecem seu potencial, mas não possuem e nem encontram crédito viável para empreender no que se chama hoje de bioeconomia.

Agora concluindo, quero dizer que, para se viabilizar a governança social, outro condicionante que considero fundamental para desenvolver as soluções sustentáveis baseadas na natureza, sendo sabedores que no Brasil, a conservação ambiental conta com um orçamento público que apenas banca uma estrutura básica de funcionamento e o salário de um defasado número de funcionários, é decisivo e fundamental, contar com parceiros internacionais. Sejam instituições financiadoras ou organismos de cooperação bilateral como tem sido o governo alemão em grande parte da história recente, na parceria com os governos acreanos. Mesmo sabendo que o esforço do continente europeu para mitigar as mudanças climáticas é ainda pequeno.

Essa parceria que viabiliza o evento que estamos agora, como também apoiou a construção do ZEE/AC, tem um papel importantíssimo para consolidar essa governança, por meio do efetivo funcionamento e atuação da CEVA (Comissão Estadual de Validação e Acompanhamento, do Sistema de Incentivo a Serviços Ambientais (Sisa). Com sua capacidade operacional melhorada, possibilitará que os povos indígenas e comunidades agroextrativistas sejam elevados a uma participação mais efetiva, e consequentemente alcancem e garantam os benefícios que necessitam e têm direito, a partir do processo de implementação da lei de pagamento dos serviços ambientais.
Notícia Opinião