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Áreas Protegidas não impedem o desenvolvimento - ação política sub-reativa, sim!

A  intenção de extinguir, alterar ou reduzir o tamanho das áreas protegidas no país e no Acre é fruto de uma visão de desenvolvimento que, no mínimo, não considera a necessidade imperativa da preservação da natureza para gerações vindouras.

Por Eliz Tessinari e Wendeson Castro

Publicado em 11/03/2020
A intenção de extinguir, alterar ou reduzir o tamanho das áreas protegidas no país e no Acre é fruto de uma visão de desenvolvimento que, no mínimo, não considera a necessidade imperativa da preservação da natureza para gerações vindouras. Esta perspectiva é mais preocupante se permanece a inação atual do novo governo brasileiro com sua constante prática de ações políticas sub-reativas contra os interesses da sociedade, como mostram os quase 1.000 projetos de lei em tramitação no congresso tendendo a eliminar, diminuir ou flexibilizar a proteção ambiental nacional. O desmatamento na Amazônia Brasileira desde agosto de 2019 já ultrapassa a menor taxa observada da série histórica na Amazônia Legal, os 4751 km2 desmatados em 2012.

As medidas do Estado Brasileiro ao longo de décadas, embora tenham avançado no combate aos crimes ambientais relacionados ao desmatamento ilegal com um total de autuações do IBAMA acumulando um montante estimado em mais de R$ 34,8 bilhões de reais, resultaram em apenas 492 milhões (ou 1,4%) de multas pagas, de acordo com análises da organização De Olho nos Ruralistas. Apesar de deficiente como citado acima, essa política ambiental, presente na Lei de Crimes Ambientais e outros mecanismos e processos, culminou na menor taxa anual de desmatamento em 2012 - The End of Deforestation in the Brazilian Amazon. Todavia, essa ineficácia de arrecadação do pagamentos de multas dos crimes ambientais deve ser um forte preditor impulsionando o aumento do desmatamento na Amazônia Legal.

Por exemplo, em 2019, a taxa explosiva de desmatamento no Brasil foi duas vezes maior que 2012, quando a Amazônia experimentava a tendência de desmatamento zero com agricultura ascendente, imersa no desenvolvimento sustentável. No entanto, o atual Estado Brasileiro está reduzindo drasticamente o combate ao desmatamento ilegal desde 2019, fato este refletido pelo montante de multas aplicadas, cujos R$ 1,45 bilhões atuais são quatro vezes menor que o total aplicado na última década, e consiste no menor valor desde 2003. Enquanto isso, o desmatamento acumulado, ano referência 2019/2020, atinge mais de 4.931,2 Km2.

Paralelo à drástica diminuição de multas relacionadas a desmatamento ilegal, cerca de 1.000 projetos de lei tramitam na Câmara e no Senado propondo retrocessos na legislação ambiental brasileira, tais como a eliminação e a redução de áreas protegidas, a alteração de licenciamento ambiental e a isenção de atividades agropecuárias a qualquer custo. Estas ações constituem ameaças tanto a liderança ambiental brasileira duramente conquistada nas últimas cinco décadas quanto a evolução da economia de produtos e serviços comercializados pelo Brasil com seus parceiros comerciais externos, cuja exigência por produtos sustentáveis são imperativos da Reunião Estratégica da Indústria do World Economic Forum reforçando a tendência global sustentável.

Nesse sentido, tanto a baixa de arrecadação proveniente dos crimes contra a natureza quanto às ações políticas sub-reativas do atual ministro, Ricardo Salles, do Ministério do Meio Ambiente, infratores ambientais, senadores e deputados, praticando desde a suspensão de fiscalização a tentativa de redução ou eliminação de Áreas Protegidas da Amazônia, são fatores amplificando a reincidência dos crimes ambientais como mostram os dados de autuações no Brasil.

Em outras palavras, o Brasil persiste inerte, quanto a eficiência de ações da Justiça nacional, demorando em torno de cinco anos para concluir sentenças de crimes ambientais e, no estado atual, está negligenciando o cumprimento da Lei de Crimes Ambientais.
Vista de região montanhosa no Parque Nacional da Serra do Divisor
Cruzeiro do Sul-AC Data: 08/2017 Autor: Andre Dib

A desconstrução de políticas públicas de desenvolvimento

Do Estado do Acre, a primeira tentativa política sub-reativa se deu quando o senador Márcio Bittar - MDB/AC apresentou a proposta de PL 1551/2019 que pretendia alterar o Código Florestal (lei que levou 10 anos para ser aperfeiçoada no Congresso), anulando o capítulo IV da Área de Reserva Legal, que dispõe sobre a manutenção/proteção de cobertura de vegetação nativa, o que significaria comprometer, a qualquer preço, o papel de ecossistemas florestais no fornecimento de serviços ambientais cruciais, como a manutenção da biodiversidade, ciclagem de água, carbono e energia. Ao que parece, a real intenção do senador era reduzir a área de Reserva Legal da Amazônia e do Brasil para expansão da agropecuária, mas essa proposta foi tão inadequada, não teve apoio nem dos seus pares e foi arquivada.

Estes exemplos ilustram de forma geral como uma parte da classe política vem se esforçando para extinguir conquistas da sociedade, tais como o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) e o Sistema Estadual de Áreas Naturais Protegidas do Acre (Seanp), que são políticas públicas construídas no Congresso Nacional e na Assembleia Legislativa do Acre com todos os setores da sociedade, e cujas bases foram construídas a partir de estudos e trabalhos realizados por pesquisadores e técnicos, há décadas no âmbito do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) e do Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (Poloamazônia), executados a partir dos anos 1960 e 1970 em toda Amazônia.

Isso quer dizer que a existência e a manutenção das Unidades de Conservação não é algo novo no Brasil E sim, é uma demanda antiga, vem desde o século passado se inspirando em países como o Estados Unidos da América, que criou o primeiro Parque Nacional em 1872, enquanto o Brasil cria o seu em 1938, em pleno Estado Novo, governado por Getúlio Vargas, dando início a política de implantação dessas áreas, aperfeiçoada pelo regime militar de 1964 a 1985, e pela Nova República, o estado democrático do presente.

Atualmente, a intenção política de reduzir a Reserva Extrativista Chico Mendes e transformar o Parque Nacional da Serra do Divisor, um PARNA, categoria que oferece proteção máxima ambiental, em outra categoria, a de Área de Proteção Ambiental - APA, categoria de proteção reduzida, por meio do PL 6024/2019, de autoria da deputada federal Mara Rocha (PSDB/AC), é outra ação de política sub-reativa, na qual os formuladores de políticas públicas subestimam o aumento do risco e são predominantemente influenciados por restrições extra-organizacionais. Ou seja, os formuladores podem mudar radicalmente suas políticas, mas relutam em fazê-las devido às suas expectativas em relação a resposta de suas ações por atores externos.
Afinal, por que esse grupo de parlamentares pretende alterar a categoria e reduzir áreas protegidas, ou mais especificamente essas duas unidades de proteção, a Resex e o Parque?
Um argumento deles é que elas impedem o desenvolvimento econômico, pois existem muitas áreas protegidas no Acre impossibilitando a expansão da produção agrícola, e que essas áreas fazem parte de uma política de governo no Acre, desenvolvida no período de 1999 a 2018, que não deu certo e trouxe pobreza. Na realidade, nenhuma UC, seja de uso direto ou indireto, impede o desenvolvimento econômico de uma região. Nesta última categoria, o uso é mais restrito e cobre apenas 10% do território estadual.

Essa visão que agricultura e a manutenção e ampliação de áreas protegidas são opostos é equivocada e obsoleta. O Projeto Valores da Amazônia, realizado no Acre e Amazonas, por exemplo, mostra que as cadeias de produtos/serviços florestais da sociobiodiversidade são ativos florestais com notável avanço econômico para produtores/extrativistas tradicionais e índios do Acre e Sul da Amazônia. Entre 2015-2018 com a participação de 2500 famílias, 10 cooperativas e dezenas de empresas, a atividade alcançou um acréscimo em mais de 1.600% durante este período, ou um montante global de R$ 1.400.000, fornecendo benefícios bio-econômicos em diferentes escalas e setores da sociedade com responsabilidade ambiental e equidade social.

Independente desses parlamentares quererem ou não compreender os argumentos técnicos e científicos aos quais as áreas protegidas foram criadas, cabe lembrar que elas foram concebidas para o bem-estar da população brasileira e global, protegendo patrimônios naturais e belezas cênicas únicas no estado, como no Parque Nacional e, no caso da Resex garantir a uma grande população de extrativistas e produtores familiares o direito de usufruto de terras em que vivem há décadas, produzindo e obtendo sua renda, e conservando faixa de floresta importantíssima para a economia do Acre.

Este tipo de argumento desconsidera que vivemos em um país tropical, cuja Amazônica tem a particularidade de ser uma floresta única do planeta.
Homem abrindo picada na mata - Parque Nacional da Serra do Divisor
Mâncio Lima-AC Data: 08/2017 Autor: Andre Dib

Comparando maçãs com laranjas?

Provavelmente, essa visão de insistir na destruição da floresta deve estar no entendimento equivocado, ao comparar maçãs com laranjas, quando argumentam que se a Europa e o Estados Unidos da América desmataram tudo o que tinham em séculos passados, por conseguinte poderíamos fazer o mesmo, em pleno Século XXI, na Amazônia. Essa linha de pensamento ilustra a profunda ignorância daqueles que não querem e/ou não buscam reconhecer a profunda diferença entre a geografia e história da região amazônica da norte americana e europeia.

De qualquer modo, tentar comparar maçãs e laranjas, nos faz refletir ainda sobre uma situação imaginária de um problema real abordado em um artigo do Professor Foster Brown, no Jornal A gazeta do Acre, na qual um E.T. indaga “Por que vocês continuam a destruir algo de que dependem e pouco conhecem?”. Ora, se constatamos que os processos de desenvolvimento de diversas civilizações causaram destruição da natureza e bibliotecas tais como a Biblioteca de Alexandria e Amazônia*, isto não justifica, pelo uso da razão, que tenhamos que persistir nos mesmos erros, a qualquer preço, exceto se estivermos a caminhar para destruir a nós mesmos.
É inteligente reduzir áreas protegidas, enquanto, sequer as desprotegidas, não alcançaram produtividade e proveito de excelência, incluindo os milhares de hectares com solos e pastagens degradadas operando com baixa produtividade?
Seguindo esse raciocínio comparativo, de geografia da Amazônia com a da Europa, considerando que o Estado do Acre possui cerca de 881 mil pessoas, os 86.240 km² de território não protegido e 37.407 km² de Unidades de Conservação (UCs) destinadas ao uso sustentável, no Acre, significam uma área maior que a metade do estado de São Paulo, onde podem estar metade dos 45 milhões dos paulistas, empreendendo atividades econômicas.

Diante disso, perguntamos: se, com toda essa terra no Acre, com extensão destinada para o uso sustentável e empreendimento de produção agroflorestal, agronegócio e bioeconomia, e isto não acontece satisfatoriamente, como tanto defendem os parlamentares que formam a base do novo governo, o insucesso do desenvolvimento econômico deve-se a quê? A incapacidade de produzir por falta de infraestrutura e insumos? Por falta de conhecimento, de tecnologia, de recursos? Por falta de visão de negócio e conhecimento das cadeias de negócio mais oportunas?

Persistência contra a conservação e preservação da natureza

Atualmente, agem para impor uma cultura econômica distante da produção familiar e agroextrativista, originária dos últimos 150 anos de ocupação, como também distante da visão moderna atual, que prioriza aumentar produtividade, sem aumentar área desmatada, sem uso de agrotóxico, ofertando alimentos mais sadios e de melhor qualidade, preservando a tradição, a identidade - a originalidade da produção, fruto da cultura do povo, seja produzindo a farinha, a castanha, borracha e o açaí.

Reduzir áreas protegidas e enfraquecer a proteção de territórios, que possuem comprovada riqueza ambiental e patrimônios naturais excepcionais, indica um olhar dos que legislam e/ou advogam para finalidades particulares em detrimento de interesses da sociedade lato sensu. Além de não ter o mínimo de respeito pela natureza e povos tradicionais e indígenas, cuja cultura, religião, filosofia e arte são peculiares, coexistindo em um planeta aquecido pelo menos um grau centígrado nos últimos quatro séculos.

Logo, disponibilizar à produção florestal sustentável, dentre outros insumos, investimento maior na organização da produção familiar cooperativista e na adoção de tecnologias mais avançadas nos processos de beneficiamento, bem como em outros produtos. Dessa forma, contribuirão mais com a economia acreana, pois não falta mercado para comprar esses produtos de origem sustentável, ao invés de diminuir limites e mudar categorias de Unidades de Conservação existentes.

Além disto, como preconiza o trabalho do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) no estudo “Cosméticos de base florestal da Amazônia”, realizado entre 2015 e 2017, envolvendo os nove estados da região, existem ainda os princípios ativos gerados para a indústria química e farmacêutica, como a extração de óleos e resinas, já produzidos localmente, muito utilizados na indústria de cosméticos e comprovadamente importantes na economia da Amazônia.

Nesse momento que há empresas pagando pelos serviços ambientais, três vezes mais o preço de mercado pelo quilo da borracha CVP (Cernambi Virgem Prensado), é estratégico inovar, evoluir e consolidar a produção florestal diversificada que vem ocorrendo. Essa tendência não tem volta. A originalidade e identidade que os produtos silvestres possuem, a tradição e os costumes dos povos do Acre é algo muito procurado e valorizado no mercado internacional. Tal particularidade atrai um nicho de turistas da natureza e de tradições, que pode impulsionar o turismo a ser também um dos principais setores da economia. Para este setor, o Parque Nacional da Serra do Divisor é o produto principal desta cadeia, bem como a cultura extrativista das Terras Indígenas e das comunidades nas UCs.

Na atual conjuntura, em que a maior parte da população do mundo reconhece existir um processo de degradação da natureza, capaz de colocar em risco a vida de grande parte dos mais de sete bilhões de homens e mulheres do planeta, fazer as Unidades de Conservação atingirem seus objetivos proporcionando os benefícios econômicos e sociais, é a opção factível mais avançada e necessária.
Tem de ser considerado como mais uma parte da cesta de negócios do Acre. Todas as produções e serviços florestais são importantes e colaboram com o desenvolvimento do estado, pois seus produtos têm mercado. É insustentável o estado priorizar apenas uma cadeia de negócios para ordenar o desenvolvimento do Acre, sabendo que há uma área de floresta imensa, mesmo se considerarmos apenas as Unidades de Conservação, que representam 23% da área do Acre”
observa Miguel Scarcello, diretor geral da SOS Amazônia.

Persistência contra a conservação e preservação da natureza

Existem no Brasil 95 Reservas Extrativistas, espalhadas por 19 estados, num total de 15.459.858 milhões de hectares, a maior parte administradas pelo Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Os produtos do extrativismo, sobretudo a borracha nativa, foram os principais motivos do movimento dos seringueiros que levou à existência de Reservas Extrativistas, impulsionando e formando um dos pilares fundamentais do Estado Brasileiro como um líder global de desenvolvimento econômico sustentável ao longo de décadas.

Apresentada por Chico Mendes no 1º Encontro Nacional dos Seringueiros, em outubro de 1985, na Universidade de Brasília (UnB), a proposta de criação defendeu a demarcação de áreas destinadas ao uso sustentável dos recursos naturais e valorização da cultura, arte, religião e filosofia dos povos da floresta.

Dois anos após a morte de Chico Mendes, a Reserva Extrativista do Alto Juruá, no Acre, foi a primeira Resex a ser criada, pelo decreto 98.863 de 23 de janeiro de 1990, com 506.186 hectares. Em seguida, a Reserva Extrativista Chico Mendes, também no Acre, criada em março de 1990, com os 970.570 hectares representando a maior unidade extrativista sustentável do planeta Terra.

Ou seja, os ideais que buscavam Chico e seus companheiros, de gerar renda para as famílias mantendo a floresta em pé, ganhou mais espaço, diversificou e impulsionou a economia do Brasil.

Embora essas áreas detenham excepcional potencial extrativista e de valor biológico, com demanda nacional e internacional por seus produtos florestais de identidade tradicional, a vontade e ação política para desenvolver com sustentabilidade essas Unidades de Conservação ainda permanece insuficiente para o alcance das transformações sociais com o uso racional e equilibrado de recursos naturais.

Essa baixa eficácia das políticas públicas faz com que a agropecuária extensiva apareça como uma redenção, mas que só beneficia grandes produtores rurais, principalmente por margear toda Resex, ao longo da BR-317, Estrada do Pacífico, motivo pelo qual muitas famílias têm sido forçadas a substituírem a produção extrativista pela agricultura familiar e a criação de animais, principalmente de bovinos, que são atividades na escala local operando com baixa viabilidade econômica e produtividade, gerando baixa renda se os processos da cadeia de negócios, infraestrutura e indústria são pouco adequados ou ausentes.

Um estudo econômico notável de longo prazo, liderado pelo Professor Raimundo C. G. Maciel da Universidade Federal do Acre, com base na distribuição de renda e pobreza na Resex, mostrou que as ações políticas de incentivo a produção de borracha com o subsídio da Lei Chico Mendes e de uma fábrica de preservativos masculinos, por exemplo, foram mecanismos decisivos para melhoria da renda bruta familiar na década de 2000.

No entanto, o desempenho da renda das famílias foi afetado significativamente devido a dificuldade de implementação e promoção de inovações tecnológicas em cadeias como a da castanha e borracha, relacionado em especial à racionalização produtiva e organização e regulação de mercados.

Do primeiro período (década de 1990) as observações recentes (2014/2015), o estudo observou que a pobreza aumentou na Resex como função da mudança nos padrões de consumo de famílias residentes, cuja redução do autoconsumo, uma característica de produção de rural de subsistência de extrativistas tradicionais, e a limitação de políticas públicas de incentivo a produção extrativista sustentável foram fatores decisivos de aumento da pobreza atual observada na Resex.

Embora haja problemas na implementação dos objetivos para os quais foram criadas (que podem ser resolvidos com soluções pautadas no diálogo e melhoria da eficiência na produção dos ativos florestais), os benefícios que as Resex geram e podem gerar às comunidades locais e à humanidade são imensuráveis.

A Resex Chico Mendes, por exemplo, tem toda a sua área recortada por rios e igarapés, em grande parte afluentes do rio Acre, manancial que abastece a capital Rio Branco, beneficiando mais de 400 mil acreanos; têm a cultura e tradicionalidade de seus povos originários que devem ser valorizadas, preservadas; a sua imensa biodiversidade e patrimônios culturais e científicos como os geoglifos.

Os povos da floresta têm um legado de defesa e identidade de seus territórios e história, envolvendo muito trabalho, luta e sofrimento, em busca da garantia de seus direitos de produzir com equidade social e ambiental.

Nessa trajetória de luta, Chico Mendes e outros seringueiros e defensores de desenvolvimento sustentável foram assassinados no Acre, como Wilson Pinheiro e Ivair Higino. Suas vidas por defender os direitos dos extrativistas pela posse das suas colocações e conservação das estradas de seringa e castanheiras, por proteger a floresta e incentivar a economia florestal com base no valor da floresta e das perspectivas de bioprospecção.

A criação das Resex é um dos mais importantes legados do extrativismo. E qualquer pretensão de mudança a ser feita, é necessário muito diálogo com a sociedade civil, principalmente, com as comunidades locais, as associações, a academia, que fizeram e fazem parte dessa conquista histórica.
Resex Chico Mendes. Agosto de 2019

O Parque Nacional da Serra do Divisor

No caso específico do Parque, a compreensão de que essa Unidade de Conservação impede o desenvolvimento, possivelmente por existirem “pedras” e também não permitir ocupação humana, a não ser como estabelece a legislação, faz parte da lógica econômica que não inclui a conservação do meio ambiente nos negócios. E, principalmente, dos que vivem da especulação de terras e querem aumentar seus patrimônios imobiliários desconsiderando a justiça e os direitos individuais e sociais.

Cabe destacar que, territorialmente, o Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD), o Parque Estadual do Chandless e a Estação Ecológica Rio Acre, juntos, representam apenas 10% do Estado, destinados à preservação, a proteção integral da biodiversidade, e ao patrimônio ambiental e genético.

A região onde está situada o PNSD é o divisor de águas das bacias hidrográficas do Médio Vale do rio Ucayali, situado no Peru, e do Alto Vale do Rio Juruá, no Acre. Ambas as bacias hidrográficas, dos Rios Ucayali e Juruá, constituem afluentes significativos do rio Amazonas, cuja vazão diária é mais de 17 bilhões toneladas de água lançadas no Oceano Atlântico.

Ao não darem importância para a proteção de cabeceiras de sete importantes afluentes do rio Juruá, as mais de duas mil espécies vegetais e animais (sensu Plano de Manejo 1998), e os serviços ambientais prestados pelo Parque, necessários para o povo do Juruá e a humanidade, priorizamos discordar dos nobres parlamentares, da intenção de transformar o Parque em uma APA, enfatizando o quanto economicamente e socialmente é importante o território do Parque ser protegido integralmente, já que a mudança para a categoria de Área de Proteção Ambiental poderia significar menor proteção desse patrimônio natural em função do uso direto.

Como negócio, as atividades dentro e fora do Parque, é um promissor polo de desenvolvimento turístico, científico e educacional, capaz de contribuir com 20% da economia da região do Vale do Juruá, com o conhecimento que se tem hoje dos atrativos existentes. Isso para uma região que tem uma população total estimada de 150.000 habitantes para 2025.

Seguindo esta lógica, muita gente terá oportunidades de trabalho, principalmente os membros das 138 famílias residentes (em 1997), e as famílias das Terras Indígenas Naua e Nukini, instaladas na parte norte do Parque, na bacia do rio Moa, onde estão os principais atrativos e belezas cênicas conhecidos, que são fundamentais para receber, acomodar, guiar, transportar, alimentar e informar os mais de 1000 visitantes, que se estima por ano (2019), sem o Parque estar estruturado e oficialmente promovendo visitações programadas de turistas, pesquisadores, professores e alunos.

Com o benefício ainda para as famílias residentes na parte sul do Parque, aproximadamente 360 famílias, no caso dos atrativos culturais, formações montanhosas, belezas cênicas, e observações de aves que o Parque tem como patrimônio natural a ser exibido e contemplado.

Diante de uma situação como essa, em que o Parque ainda não recebeu a atenção e investimento adequado para viabilizar sua consolidação, em adição ao Plano de Manejo e o Plano de Uso Público (para ecoturismo) que o Parque possui, a confirmação dessas previsões econômicas e a consolidação do que vem ocorrendo (como turismo, pesquisa e observação de aves entre outros potenciais grupos biológicos), precisa de um plano de negócios visando empreender e atingir a viabilidade socioeconômica e ambiental.

Portanto, isto não significa na perda de espaço político ou enfraquecimento de setores da sociedade, mas a promoção estratégica da economia florestal. No Acre, essa priorização iniciou no governo de Flaviano Mello, criando a Fundação de Tecnologia do Estado do Acre (FUNTAC) e executando o Projeto Antimari, que foi uma experiência decisiva para aprendermos sobre falhas e sucessos. Ganharam conhecimento e experiência de trabalho com apoio dos principais bancos e organismos internacionais do setor. Muito do que está implantado de produção florestal e valorização das Unidades de Conservação é fruto dessa origem Mdebista, bem como da evolução que veio sendo feita nos governos petistas.

Como ONG ambientalista, reconhecemos ambos os governos por essa opção, e recomendamos ao atual governador Gladson Cameli que continue a política florestal de estado, especialmente, cobrando e apoiando a produção das unidades de conservação, que são terras públicas, na maioria federais, que concentram mais de 20.000 famílias agroextrativistas. Da nossa parte, não faltará esforços e parceria para efetivar e promover essa política com segurança ambiental e equidade social.
Rio Moa - Parque Nacional da Serra do Divisor | Cruzeiro do Sul-AC Data: 08/2017 Autor: Andre Dib
Por que uma segunda estrada interoceânica que ameaça um Parque singular da Amazônia não é uma solução viável socioeconômica e ambiental?
Na criação do Parque, por meio do decreto nº 97.839, de 16 de junho de 1989, foi prevista a construção de uma estrada-parque, mas a viabilidade econômica dessa estrada deveria movimentar pelo menos 249 veículos, que não pertencem ao tráfego local, circulando diariamente, conforme o estudo técnico “Análisis económico y socioambiental de los proyectos de interconexión Pucallpa-Cruzeiro do Sul”, do Conservation Strategy Fund.

A famosa Estrada do Pacífico, conhecida também como Rodovia Interoceânica, ao longo da Br-317, por exemplo, que está implementada há mais de uma década, possui uma atividade que garante o desenvolvimento do Estado? Muito provavelmente, não! Ou pelo menos isto não tem alcançado até agora os objetivos e indicadores pelos quais ela foi construída, como também são os mesmos e atuais argumentos de progresso para a construção da ferrovia ou da estrada no Parque Nacional da Serra do Divisor.

A construção de uma estrada ou ferrovia cortando o Parque representa um risco enorme para a proteção da biodiversidade e sistemas de funcionamento econômico-social e ambiental. As externalidades - um conceito da economia - sistemas de transporte rodoviário e ferroviário que dão origem a distintos custos e benefícios e que não necessariamente são traduzidos em preços de mercado de uso de um sistema ou outro, podem afetar a terceiros sem que estes paguem ou sejam compensados por eles na dinâmica de custos e/ou benefícios.

Desta forma, ao estimar o valor das externalidades (positivas e negativas) de ambos projetos de interconexão terrestre, as negativas seriam maiores que as positivas nos dois casos. Observa-se que as externalidades líquidas negativas do projeto ferroviário (US$ -19,2 milhões) representam apenas 3,9% do valor das externalidades líquidas negativas da rodovia (US$ -456,7 milhões), mostrando que a ferrovia pode gerar menos impacto ambiental e social do que a rodovia. Por outro lado, os benefícios (externalidade positivas) da ferrovia representam apenas 40% quando comparado ao projeto rodoviário.

No entanto, essa vantagem (de externalidades positivas) da estrada não compensa a desvantagem de externalidades negativas que o projeto rodoviário requer em termos de custos e benefícios. “Por esse motivo, o [projeto] ferroviário representaria a opção por maiores investimentos e custos operacionais, mas de menores impactos ambientais e sociais”, conclui o estudo.

De qualquer forma, isso não implica que o povo do Acre precisa destruir um Parque para a economia florescer, pois a região biogeográfica onde está situado o Parque Nacional da Serra do Divisor é tão singular quanto o planeta Terra. Não é a toa que o Parque já foi indicado à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO ) por duas vezes, nos ano 2000 e 2017, a se candidatar a Patrimônio Natural da Humanidade. No entanto, em 2017, após candidatar-se, o Brasil desistiu alegando haver riscos à segurança nacional, cujos motivos não foram esclarecidos até o momento.

Finalmente, observando a história de grilagem e especulação de terras no Brasil, em particular na Amazônia, podemos considerar que tal investida, agora nas terras públicas, venha ser uma etapa da especulação de terras para aumentar poder financeiro e político, pois ter terra significa também ter acesso a créditos e poder político-econômico. Ou seja, um êxodo rural previsível, ou pior, está sendo planejado para aumentar problemas sociais urbanos e ambientais rurais?

Referências

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