Homenagem ao Abrahim

Rio Branco, 19 de maio de 2020

Hoje dedico nossa homenagem ao Abrahim Farhat, falecido dia 16/05, grande acreano do pé rachado, ativista político, ambientalista, defensor da causa Palestina, e de todas causas para garantia dos direitos humanos e a favor da democracia e da vida, também chamado por Lhé.

Tive o privilégio de conviver com ele e de receber sua atenção e orientações, e ter encontros sempre regados a uma causa, ou receber telefonemas, mensagens via SMS ou Whatsapp com uma grande preocupação que estava tendo, e que ele via em mim alguém que poderia ajudar a diminuir ou superar as dificuldades, não as dele, mas de alguém ou de algum grupo de pessoas, ou de algum ser vivo ou mancha de floresta que estivesse sendo ameaçada.

Pense numa pessoa inquieta, preocupada com o bem-estar da humanidade, defensor das empregadas domésticas, das associações de moradores, das artes, dos artistas, da cultura, do Acre, dos seringueiros, dos povos indígenas, da proteção das florestas, da economia solidária, das causas mais comuns ao nosso dia a dia, como também as de outros países, como a do povo Palestino, que se eu não me engano foi indicado para ser representante aqui no Acre. E também um grande defensor do Acre, da sua história e das pessoas que o fizeram, tendo o Galvez uma das suas referências devido a sua iniciativa em criar e tornar o Acre independente.

Essa pessoa era o Abrahim.

Como ativista político, também tinha partido - o Partido dos Trabalhadores, que ajudou a fundá-lo aqui no Acre. Porém, era parceiro e apoiava todos partidos que afinavam com a via democrática, como foi com o PV, quando ainda sua bandeira era o verde.

Um dos fatos que nos aproximou foi a defesa da causa dos seringueiros e pela proteção às florestas nos anos 1980, mais especificamente no ano de 1988, quando juntos, acompanhados por professores e estudantes da UFAC (Edegard de Deus, Maria do Carmo, Anselmo, Arnobio Marques, Nazare Soares,...) religiosos da igreja católica e luterana, e seringueiros como Chico Mendes, fundamos em 30 de setembro a associação SOS AMAZÔNIA, uma das várias associações que ele ajudou a criar. O primeiro ato foi expor na praça em frente ao estádio José de Melo uns painéis com fotos e notícias sobre o avanço do desmatamento na Amazônia, e divulgar as agressões e ameaças que os extrativistas no Acre estavam enfrentando e os empates que estavam promovendo. Infelizmente, três meses depois, Chico Mendes foi assassinado.

Outro fato marcante, que demonstrou a grande inquietude e compromisso dele, aconteceu passado o sepultamento e o sofrimento do luto inicial do assassinato de Chico Mendes. O Abrahim lançou a ideia de persistirmos na divulgação dos problemas e propôs a SOS Amazônia a realizar missas ecológicas, uma maneira de homenagear o Chico e promover entre os fiéis e a sociedade o problema que ainda ameaçava a floresta e os seringueiros. Fizemos uma na comunidade São Sebastião no Conjunto Tucumã, o que nos aproximou para uma outra iniciativa. E procuramos o bispo Dom Moacir Grechi para fazer uma na catedral. De imediato, Dom Moacir, outro personagem assim como o Lhé, importantíssimo para a democracia no Acre, abriu as portas. No dia da missa, organizamos tudo, preparamos com os religiosos uma homilia completa, com falas e músicas pescadas na bíblia e outras redigidas para enfatizar a importância da natureza e o papel do Chico. Fizemos uma decoração em todo o corredor central da Catedral, repleta de ouriços de castanha, flores, e outros frutos e galhos de árvores que representavam a natureza do Acre. Fizemos uma ampla divulgação, acontece que no dia, 20 minutos antes, caiu uma daquelas chuvas que lavam o dia inteiro e numa força que não favoreceu nada a ida de ninguém à igreja. Já sabendo que não ia acontecer mais, estando os três, eu, Lhé e Dom Moacir, diante do fato Dom Moacir não perdeu a oportunidade e disse:
vocês vêm tão pouco a igreja, é uma coisa tão rara, que de alegria Jesus homenageia mandando essa chuva torrencial. E quando acontece tem é que chover.
Não sei bem como foi a infância do Lhé e sua formação. Mas uma coisa eu posso dizer com certeza, ele nasceu para fazer o que fez, defender causas e lutar pelos oprimidos e injustiçados, defender o meio ambiente e ser amigo de todos, independente das dificuldades que levasse para a família e a sua casa. Um grande exemplo de pessoa, de ser humano, sempre disponível, animado e pensando positivo, mesmo nesses últimos dois anos, enfrentando as seções de hemodiálise.

Dentre as diversas inciativas que teve, e das diversas causas que pediu para acolher aqui no município de Rio Branco, nesses últimos dois anos, quero destacar três aos quais me empenharei pessoalmente dentro da SOS Amazônia para serem concretizadas: a primeira é apoiar a edição e produção de vídeo feito pelo seu neto sobre o despejo de esgoto no canal da maternidade; a segunda é a proteção dos macacos nas áreas de preservação permanente do igarapé São Francisco; e a terceira é a proteção do lago do Amapá e manutenção da APA do Lago do Amapá.

Pode deixar Abrahim, compromisso assumido. Descanse em paz meu amigo. Vai fazer muita falta. Perdemos um grande acreano.

Meus sinceros sentimentos a família do Abrahim que saúdo na pessoa da Cibele, uma das filhas, e a todos os amigos, em especial aos que nos últimos anos estavam dando assistência e apoiando no que fosse possível para ele se recuperar e ter o menor desconforto, aqui representados pela sua grande amiga e companheira de militância Júlia Feitoza, também fundadora da SOS Amazônia.

Um forte abraço,
Miguel Scarcello

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