A biodiversidade amazônica enfrenta grave risco

A biodiversidade é a grande variedade de vida na Terra. E em cada região do nosso planeta ela existe em formas múltiplas e extraordinárias. Dentre os benefícios, a biodiversidade é responsável por garantir o equilíbrio ambiental dos ecossistemas, o que conduz e reitera a nossa responsabilidade na tomada de medidas de preservação e conservação de espécies raras e ameaçadas de extinção.

Estimativas recentes mostram que temos cerca de 8.7 milhões de espécies eucarióticas* na Terra e 2.2 milhões no Oceano. No entanto, deste total temos descrito apenas 14% destas espécies terrestres e 9% das espécies do Oceano desde a criação do Sistema de Nomenclatura Binomial de Carolus Linnaeus em 1758, no qual o nome científico de uma espécie é formada pela combinação de dois termos, sendo um gênero e um descritor específico – por exemplo, o Homo sapiens Linnaeus 1758.
Na atual velocidade de descrição de espécies novas para ciência, ainda precisamos de aproximadamente 500 anos para concluir este trabalho, ou seja, descobrir estas 86% de espécies eucarióticas terrestres e 91% espécies oceânicas, como destaca Professor Robert May:
"Nós somos surpreendentemente ignorantes sobre quantas espécies estão vivas hoje na terra, e ainda mais ignorantes sobre quantas podemos perder e ainda manter os serviços ecossistêmicos dos quais a humanidade depende em última instância"
A Flora Brasileira, por exemplo, uma das mais bem estudadas do planeta, detém mais de 40.989 espécies de plantas com flores das quais 46,2% só ocorrem no Brasil, aumenta em 169 espécies de plantas com flores a cada ano, ou seja, são duas espécies novas para ciência descritas a cada dois dias. No Estado do Acre, as identificações botânicas realizadas em herbários sugerem que pelo menos uma em cada seis coletas realizadas em campo por botânicos deve ser um registro novo para o Estado ou ainda uma espécie nova para ciência.

Dada a relevância de proteger a diversidade biológica, em 1972, esse assunto foi pauta durante a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente Humano, em Estocolmo. Vinte anos depois, durante a ECO-92 Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), no Rio de Janeiro, foi estabelecida a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), em vigor desde 29 de dezembro de 1993.

Assinada por 194 países, dos quais 168 a ratificaram, incluindo o Brasil por meio do Decreto nº 2.519 de 16 de março de 1998, a Convenção tem por objetivo estabelecer as normas e princípios que devem reger o uso e a proteção da diversidade biológica em cada país signatário, dando as regras para o seu uso sustentável e a justa repartição dos benefícios provenientes do uso econômico dos recursos genéticos.

Na última Conferência das Partes, a COP14, das Nações Unidas sobre a CDB realizada no Egito em Novembro de 2018, dentre as 38 decisões adotadas durante CDB, a 14° que trata da Informação da Sequência Digital sobre os Recursos Genéticos da biodiversidade foi tema de destaque pelo Brasil, em especial, porque é um dos países cuja a legislação prevê bens, direitos e obrigações sobre o patrimônio genético.

De forma geral, esta décima quarta decisão reconhece as limitações de acesso, uso, geração e análise da Informação da Sequência Digital sobre os Recursos Genéticos, destacando a conciliação entre as Partes para prover soluções em relação a tais limitações, contribuindo assim, para a conservação e utilização sustentável da diversidade biológica e a participação nos benefícios dos recursos genéticos.

Psiguria ternata (M.Roem.) C.Jeffrey um novo registro de ocorrência no Estado do Acre. Coletada na Área de Proteção Ambiental do Lago do Amapá em Rio Branco pelo Professor Marcos Silveira e pesquisadores da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e do Laboratório de Botânica e Ecologia Vegetal da UFAC. Esta planta é uma das espécies da família da melancia (Citrullus lanatus (Thunb.) Matsum. & Nakai), as Cucurbitaceae. Foto: M. Silveira

O avanço do desmatamento da Floresta Amazônica

No Brasil, ultimamente, a Floresta Amazônica, ecossistema que abriga a maior diversidade biológica do mundo, vem sofrendo sérias intervenções humanas, sobretudo para a ocupação da pecuária extensiva. Estudos sobre a modelagem da conservação da biodiversidade na Amazônia, mostram que se persistirem as atuais práticas como o aumento do desmatamento, a não criação de áreas protegidas, o não cumprimento de legislação exigindo reservas em áreas privadas e entre outras ações danosas ao meio ambiente que são típicas de cenários "business-as-usual" (BAU cenário), os resultados são catastróficos.
Imagens de desmatamento feitas na Resex Chico Mendes no final de agosto | Leia Desmatamento na Resex Chico Mendes gera preocupação para queimadas em setembro
Por exemplo, neste status quo de impacto negativo sobre ecossistemas terrestres como o aumento no desmatamento e os outros elementos típicos de cenários "business-as-usual", um estudo sobre a modelagem da conservação na Bacia destaca que na região centro-leste da Amazônia observa-se a maior concentração de mamíferos ameaçados que perdem mais de 40% de floresta, onde a taxa de desmatamento projetada foi maior. E ainda, pelo menos 35 espécies de primatas devem perder 60-100% de suas áreas na Amazônia até 2050.

Para árvores da Amazônia, neste cenário BAU até 2050, estima-se um declínio populacional em mais de 30% dentre os 25 a 50% de todas as árvores da Amazônia. Estes declínios populacionais, por exemplo, implicam em perdas Amazônicas de 63% das populações de castanheiras (Bertholletia excelsa Bonpl.), 50% das populações de cacaos (Theobroma cacao L.) e 72% das populações de açaí (Euterpe oleracea Mart.).

Com o avanço do desmatamento e as queimadas nessa região, principais atividades humanas que aceleram o processo de destruição de espécies da flora e fauna amazônica, perde-se um mosaico de oportunidades de aplicação na medicina, alimentação, economia florestal, e outras centenas de alternativas para a própria sobrevivência humana. Além disso, a perda de biodiversidade piora as condições de vida dos povos da floresta, altera a cadeia alimentar, contribui para o aquecimento global e causa danos irreversíveis ao patrimônio natural do país.

A SOS Amazônia entende que esse avanço está relacionado, principalmente, ao posicionamento do atual governo brasileiro a respeito da política ambiental para o país. As declarações públicas e as decisões implementadas apontam para uma gestão ambiental que altera o controle e a intensidade do enfrentamento das ameaças e crimes ao meio ambiente.

O Brasil vem assistindo uma série de intenções a uma política de desenvolvimento econômico com grandes prejuízos ambientais. Um exemplo é a falta de interesse do governo pela continuidade do principal instrumento nacional para ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento. Os resultados de 10 anos de existência do Fundo Amazônia deixam claro, esse apoio fundamental para promover o desenvolvimento sustentável da região amazônica. Dos recursos do Fundo, 60% é para a União, Estados e Municípios. E 38% para o Terceiro Setor, incluindo ONGs e Cooperativas. Os relatórios de transparência estão disponíveis para qualquer cidadão acessar, os recursos são executados com extremo zelo e responsabilidade. Então, por que não querem investir na Amazônia?
Álisson Maranho, diretor técnico da SOS Amazônia.
E ainda, como reforça o Professor Paulo Artaxo em Julho deste ano numa comunicação para BBC-Brasil, "Reduzir o desmatamento é uma questão absolutamente crucial para a estabilidade do clima do planeta – assim como reduzir as emissões de combustíveis fósseis dos países desenvolvidos".

O editorial desta semana na conceituada revista científica britânica Nature desta semana, reitera: "A maior floresta tropical do planeta está pegando fogo. O Brasil e o mundo devem parar a destruição antes que seja tarde demais".
Conteúdo selecionado para indicação na campanha da editora educativa Twinkl sobre o Dia da Biodiversidade.

Referências

[1] Isbell, F. (2010) Causes and Consequences of Biodiversity Declines. Nature Education Knowledge 3(10):54. Disponível em: https://www.nature.com/scitable/knowledge/library/causes-and-consequences-of-biodiversity-declines-16132475/.

[2] Mora C. et alli (2011) How Many Species Are There on Earth and in the Ocean? PLoS Biol 9(8): e1001127. https://doi.org/10.1371/journal.pbio.1001127.

[3] May R. M. (2011) Why Worry about How Many Species and Their Loss? PLoS Biol 9(8): e1001130. https://doi.org/10.1371/journal.pbio.1001130

[4] Forzza, R. C. et alli (2012) New Brazilian Floristic List Highlights Conservation Challenges. BioScience 62(1): 39–45, January 2012.https://doi.org/10.1525/bio.2012.62.1.8

[5] Sobral M. & Stehmann J. R. (2009) An analysis of new angiosperm species discoveries in Brazil (1990–2006). Taxon 58(1): 227–232, February 2009.

[6] Medeiros, H. et alli (2014) Botanical advances in Southwestern Amazonia: The flora of Acre (Brazil) five years after the first Catalogue. Phytotaxa 177(2):101-117, August 2014. DOI: 10.11646/phytotaxa.177.2.2

[7] Psiguria in Flora do Brasil 2020 em construção. Jardim Botânico do Rio de Janeiro.Disponível em: <http://reflora.jbrj.gov.br/reflora/floradobrasil/FB17100>. Acesso em: 11 Set. 2019

[8] República Federativa do Brasil (2019). Lei Nº 13.123, de 20 de Maio de 2015 – Dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade. Disponível em:www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13123.htm. Acesso em 11 de Setembro de 2019.

[9] Soares-Filho, B. S. et alli (2006). Modelling conservation in the Amazon basin. Nature, 440(7083), 520–523. doi:10.1038/nature04389

[10] ter Steege, H. et alli (2015). Estimating the global conservation status of more than 15,000 Amazonian tree species. Science Advances 1(10): e1500936. DOI: 10.1126/sciadv.1500936.

[11] Kenneth J. F. (2016) Commentary: Estimating the global conservation status of more than 15,000 Amazonian tree species. Frontiers in Ecology and Evolution, 4:59. URL=https://www.frontiersin.org/article/10.3389/fevo.2016.00059. DOI=10.3389/fevo.2016.00059

[12] Mota, C. V. – BBC-Brasil. (2019). Desmonte sob Bolsonaro pode levar desmatamento da Amazônia a ponto irreversível, diz físico que estuda floresta há 35 anos. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil48805675fbclid=IwAR1qSpGFMHgKPCj36J01dnqwe7VSLGGj5P0mh97PPvYGZKPjeBdR8CaAmEQ. Acessado em: 04 de Setembro de 2019.

[13] Moreno, A. C. – G1-Globo. Em carta aberta, servidores do Ibama listam medidas para impedir 'colapso da gestão ambiental federal'. Disponível em:https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/08/26/em-carta-aberta-servidores-do-ibama-listam-medidas-para-impedir-colapso-da-gestao-ambiental-federal.ghtml. Acessado em: 04 de Setembro de 2019.

[14] Nature – Editorial (2019). Take action to stop the Amazon burning, Nature 573, 163 (2019). doi: 10.1038/d41586-019-02615-3.

Por Eliz Tessinari e Wendeson Castro

Publicado em 12/09/2019

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