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Estrada Pucallpa-Cruzeiro do Sul: o caminho para o retrocesso socioambiental

Foto: André Dib | Texto: Helen Menezes

A bancada da motosserra resolveu reproduzir, no Vale do Juruá, o paradigma de desenvolvimento trazido pelos portugueses às terras brasileiras, ao propor a construção de um estrada ligando Cruzeiro do Sul a Pucallpa. Essa analogia diz respeito à imposição desse modelo de desenvolvimento aos povos indígenas, de isolamento voluntário presentes naquela região, com o intuito de levar a integralização aos povos que não foram afetados pela primeira tentativa de “civilização” e a consequente exploração dos recursos naturais, como as reservas de minérios existentes no Parque. O argumento legal para a construção dessa estrada e, com ela, a implantação desse modelo de desenvolvimento, é a aprovação do Projeto de Lei 6024/2019, que pretende recategorizar o Parque Nacional da Serra do Divisor para Área de Preservação Ambiental (APA).

Como a Unidade de Conservação está justamente no percurso da estrada, o PL foi apresentado com a proposta de reduzir a categoria de proteção do Parque e, assim, acelerar a aprovação de construção da rodovia. A região abriga enorme biodiversidade, bem como comunidades tradicionais e povos indígenas. Os impactos provocados pela estrada no ecossistema amazônico e no bem-estar social serão percebidos imediatamente com uma tendência de agravamento a longo prazo.

Embora tenha sido acordado com o líder do governo de Ucayali, Francisco Pesos Torres, Pucallpa parece não estar tão interessado nessa interligação quanto o governo do Acre. Nesse sentido, é oportuno questionar o que poderá ser oferecido ao mercado do país vizinho? Já que não existe uma demanda imediata pelos produtos do Vale do Juruá ou vice-versa. O que, empiricamente, podemos esperar como resultado dessa obra é o crescimento e favorecimento do tráfico de drogas e animais silvestres, invasões das terras indígenas, aumento do desmatamento, entre outros impactos socioambientais.

Como, ironicamente, a Estrada do Pacifico, que liga a capital do Acre à parte rica do Peru, não alcançou o nível de resultados econômicos esperados, a ideia de uma ligação pelas regiões menos desenvolvidas é, sem dúvidas, uma aposta inusitada. Mas o que pode dar errado? A resposta concreta ainda não existe, pois também não há um estudo de viabilidade até o momento. Lembrando, ainda, que aqueles que serão atingidos diretamente pela construção da estrada foram poupados, até hoje, de ter que responder a uma consulta pública, sobrando apenas o ônus de lidarem com os impactos posteriores.

Mesmo com o adiantamento de alguns processos, ainda se espera que haja consulta aos povos indígenas e comunidades tradicionais antes da decisão final, pois, seguindo o protocolo, essa é a fase em que as partes dialogam e revisam os prós e contras do projeto e sua viabilidade.

Portanto, com todas as possíveis consequências negativas no âmbito ambiental, econômico e logístico para a construção da estrada, a previsão do legado dessa obra será a destruição de uma enorme biodiversidade da Amazônia e a desestruturação da organização social dos povos tradicionais e indígenas da região. A aposta sobre o custo-benefício é alta e tem resultados imprevisíveis. Caso a estrada seja aprovada, nosso papel é acompanhar e assegurar que esses processos aconteçam de maneira mais justa e adequada, respeitando a individualidade e a cultura dos habitantes locais.
Artigo Opinião