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Desmatamento na Resex Chico Mendes gera preocupação para queimadas em setembro

Por Eliz Tessinari e Wendeson Castro


As reservas extrativistas foram criadas para que fossem um modelo de desenvolvimento sustentável, aliando a presença humana com a conservação da natureza, tendo na própria natureza a fonte de geração de renda e manutenção das populações tradicionais que nela vivem. A borracha nativa e outros produtos do extrativismo foram o motivo do movimento dos seringueiros (incluindo o ativista ambiental e um dos fundadores da SOS Amazônia, Chico Mendes) que levou à criação das RESEXs na década de 1990.


Ao longo dos anos, essas áreas de floresta vêm perdendo espaço para pecuária, a exemplo da Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre, onde muitas famílias substituíram a produção extrativista pela agricultura familiar e a criação de animais, principalmente de bovinos.


A equipe da SOS Amazônia, na quinta-feira, 29, visitou áreas da Resex Chico Mendes, em Xapuri, com o objetivo de analisar a situação atual de desmatamento e queimadas nesta Unidade de Conservação (UC). E o cenário é de grande preocupação - Muitas áreas de floresta foram desmatadas, com grande possibilidade de queima durante todo o mês de setembro. Foram observadas áreas desmatadas recentes variando em torno de 2,5 a 15 hectares que, em geral, são destinadas a queima para usos posteriores como atividades agrícolas e, em especial criação de bovinos, que tem sido uma fonte decisiva para o aumento do desmatamento e a prática habitual do uso do fogo na Resex.  


Raimundo Mendes, 74 anos, morador da CM e um dos que fez parte do movimento Empate*, liderado por Chico Mendes, também alerta que em setembro haverá muitas queimadas, principalmente com o objetivo de aumentar áreas de pastagem, confirmadas pelas imagens aéreas recentes que a SOS Amazônia fez naquela UC.


“Eu tenho informações que há muito desmatamento dentro da Reserva. Inclusive, não para roçado de subsistência, mas desmatamento para aumentar o pasto e colocar mais bois. É algo que vem acontecendo e tem nos preocupado muito, tanto a mim como a todos que com o Chico Mendes lutaram para que a gente tivesse esse benefício extraordinário que é a Reserva Extrativista. Infelizmente, temos aqui pessoas que ocupam o nome de seringueiro, mas se deram ao comportamento de hoje estarem assumindo o papel de fazendeiro. Não cortam mais seringa e o que estão fazendo é desmatar para criar bois. Isso é uma verdade e nos preocupa muito porque a Reserva é um bem conquistado com muito sacrifício, com sangue de companheiros nossos, como foi o caso do Chico Mendes, Ivair Higino e Wilson Pinheiro.

Historicamente, os desmates e queimadas ocorrem em maior intensidade nos meses de agosto, setembro e outubro, com picos de queimadas em setembro - em especial na Amazônia Brasileira.


Figura 1 - Série temporal (1998 a 2018) do número de focos de calor de Janeiro a Dezembro na Amazônia Legal obtidos a partir do satélite principal Aqua_M-T. Note que o eixo vertical esquerdo mostra o número de focos de calor na Amazônia Legal. E o eixo horizontal os meses de Janeiro a Dezembro. Fonte dados: Inpe (2019) - Banco de dados Queimadas.

A tendência entre 2004 e 2012 era de queda, quando se atingiu a menor taxa anual de desmatamento com 4.571 km2 e 86.719 focos de queimadas em 2012.


Entre os anos de 2013 a 2018, a taxa anual média de desmatamento foi de 6.581±1081 km2 (média ± desvio padrão) e 85.303 focos de queimadas. No entanto, de acordo com o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), entre 27 de agosto de 2018 a 26 de agosto de 2019 essa taxa já está acumulada em 18.103,3 km2, indicando um aumento de quase três vezes a média do período de 2013 a 2018.


E o número acumulado de focos de queimadas de Janeiro a Agosto de 2019 atinge mais de 63,6% em comparação ao período de Janeiro a Dezembro de 2018 (68.345 queimadas), destacando o atual cenário de alerta pela comunidade científica, comunidades tradicionais, sociedade civil e organizações ambientalistas.


A SOS Amazônia entende que tal elevação está relacionada diretamente ao enfraquecimento dos órgãos de controle ambiental e a redução dos serviços de assistência técnica e extensão rural/florestal. Outro motivo é o incentivo ao desmatamento e as queimadas manifestado na opinião pública por agentes governamentais.


Figura 2 - Taxas de desmatamento e focos de calor médio e acumulado na Amazônia Legal. Note que o eixo vertical esquerdo mostra a área desmatada em km2, e o eixo vertical direito mostra o número de queimadas. O eixo horizontal mostra as médias da taxa de desmatamento e das queimadas (pontos em laranja) nos períodos de 1998-2003, 2004-2012 e de 2013-2018. E mostra a área total de desmatamento anual (acumulada) e o número de queimadas (pontos laranja) dos anos de 2012, 2018 e 2019. As barras de erros verticais (laranja e cinza) são estimadas a partir do desvio padrão da média.*Desmatamento acumulado entre 27 de Agosto de 2018 a 26 de Agosto de 2019 a partir do Deter. Fonte dados: Inpe (2019) - Desmatamento - Amazônia legal e Inpe (2019) - Banco de dados Queimadas.

Além disso, as observações atuais, de especialistas do clima, destacam que não estamos no interior de um ano seco induzido por um evento climático extremo como foram as secas severas de 2005 e 2010. Por exemplo, se comparado o total de queimadas do mês de agosto de 2019 (27.555 queimadas) com os meses de agosto de 2005 e 2010, o total de queimadas de agosto de 2019 representa 43,2% do total de 63764 queimadas em 2005 e 61% das 45.018 queimadas de 2010 e, - ultrapassa mais de 100% o número médio das queimadas dos meses de agosto de toda a série temporal (1998 a 2019), que foram 25930±14670 queimadas (média ± desvio padrão).


Como destaca Raimundo Mendes, precisamos agir rápido nesse momento para evitar que haja redução extrema da biodiversidade, que enfrenta grave perigo.


Ao longo dos próximos seis meses, a SOS Amazônia vai monitorar um grande grupo de informes técnicos a respeito dos diferentes temas ambientais (conservação de florestas e da biodiversidade, gestão dos rios e saneamento básico). Tem o compromisso de monitorar e enfrentar iniciativas ou políticas que enfraqueçam os órgãos públicos no cumprimento do papel de controle e prevenção de ameaças e crimes ambientais, fazendo interlocução direta junto aos dirigentes e representantes das instituições públicas governamentais e empresariais, e líderes políticos, cobrando atitude, recomendando iniciativas e propondo políticas a fim de estabelecer um ambiente de diálogo que prevaleça bom senso e responsabilidade pela conservação e desenvolvimento sustentável.



*EMPATE

🌳 O Empate é uma manifestação em prol da preservação da floresta Amazônica pelos seringueiros. Na década de 1980, a ação era usada por ativistas seringueiros como Chico Mendes, que, junto à uma comunidade, perfilavam no meio da floresta para impedir sua destruição. Chico foi referência na luta pela preservação da floresta, e um dos fundadores da SOS Amazônia.


🌳 Inspirados pelo movimento dos seringueiros, no domingo, 26 de agosto, acreanos realizaram o primeiro Empate pela Amazônia, na Praça Povos da Floresta. Dia 05/09, em Rio Branco (AC), haverá o segundo Empate, em frente ao Palácio Rio Branco. O evento faz parte de uma série de protestos que acontece pelo Brasil, intitulada #AmazônianaRua


Referências

[1] MMA-Brasil.Taxa de desmatamento na Amazônia Legal. Disponível em: https://www.mma.gov.br/informma/item/15259-governo-federal-divulga-taxa-de-desmatamento-na-amaz%C3%B4nia.html. Acesso em: 30 de Ago. 2019


[2] INPE. Banco de Dados de queimadas. Disponível em: http://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/bdqueimadas. Acesso em: 30 de Ago. 2019

[3] Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Coordenação geral de Observação da Terra. Programa de Monitoramento da Amazônia e Outros Biomas. Desmatamento – Amazônia Legal – Available at http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/downloads/. Accessed: August 31, 2019


[4] Observatório do Clima. Desmatamento subiu 50% em 2019, indicam alertas do Inpe. Disponível em: http://www.observatoriodoclima.eco.br/desmatamento-subiu-50-em-2019-indicam-alertas-inpe/ . Acesso em: 30 de Ago. 2019


[5] Folha de São Paulo 2019. Por uma resposta à altura de nossa potência ambiental. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2019/08/por-uma-resposta-a-altura-da-nossa-potencia-ambiental.shtml. Acesso em: 30 de Ago. 2019


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