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Programa de rádio discute os impasses jurídicos do projeto de rodovia entre Acre e Peru

O projeto de construção de rodovia entre Cruzeiro do Sul, no Acre, e Pucallpa, no Peru, é cercado de polêmicas e impasses jurídicos que evidenciam a inviabilidade da proposta e prenunciam uma série de impactos ambientais e sociais. O tema foi pauta do programa Audiência Pública no dia 9 de fevereiro, transmitido pela Rádio CBN Amazônia (98,1 FM). Participaram da entrevista Miguel Scarcello, secretário geral da SOS Amazônia, e Lucas Costa, procurador da República.

Ambos consideram que o projeto de rodovia, orçado em meio bilhão de reais, é uma proposta vazia, desacompanhada de uma contrapartida socioeconômica para a região. Em maio de 2021, o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) abriu edital para contratação de empresa responsável pelo projeto básico de engenharia e execução da obra, no qual dispensa a realização de estudos de viabilidade técnica e ambiental, um requisito obrigatório para obras de grande porte, como é o caso desta rodovia.

“O DNIT fundamenta uma dispensa de estudos de viabilidade econômica e ambiental seguindo uma legislação antiquada, da época da ditadura militar. A Constituição de 1988 rompe com o entulho autoritário. O Tribunal de Contas da União já suspendeu editais do DNIT Brasil afora porque esses projetos geram problemas ambientais e econômicos que não foram mensurados antes. Ainda assim, o DNIT ignora solenemente o parecer do TCU”, explica Lucas Costa.

O procurador relembrou ainda que o processo de construção de estradas na Amazônia é caracterizado por desastres ambientais que, muitas vezes, não foram previstos nos estudos preliminares. Um deles é o “efeito espinha de peixe”. A partir da abertura da estrada principal, esse traçado ramifica, dando origem a ramais alternativos, pequenas estradas, vias vicinais. “O efeito espinha de peixe causa uma devastação imensa, com um impacto além do previsto originalmente”, conta o procurador.

Lucas Costa também deixou claro que o governo peruano já deu declarações oficiais de que não tem interesse na construção da estrada. Desse modo, o projeto de rodovia que seguiria de Cruzeiro do Sul até Pucallpa, no departamento de Ucayali, deverá encerrar seu percurso na fronteira com o Peru e a perspectiva de desenvolvimento econômico e de integração comercial entre os dois países não se efetivará.

“Com esse trajeto, a estrada não levará a lugar algum. Não temos indicativos por parte do Governo Federal ou Estadual que, com abertura da estrada, se incrementará algo que economicamente vai alterar a realidade local no aspecto positivo ou que venha promover grandes mudanças sociais e melhoria na qualidade de vida da população”, complementa Scarcello.

Parque Nacional
O trecho rodoviário em questão, com cerca de 110 quilômetros de extensão, atravessa o Parque Nacional da Serra do Divisor, reconhecido pela paisagem exuberante de grande riqueza ecológica. A construção dessa estrada colocará em risco a biodiversidade de fauna e flora, o que ocasionaria a perda de espécies endêmicas e outras ameaçadas de extinção. Além disso, afetará o modo de vida de comunidades tradicionais que habitam o entorno do parque, como indígenas e extrativistas.

“É preciso garantir o direito desses povos terem seu território respeitado. A economia florestal na Amazônia foi colocada de lado. Precisamos pensar no uso público da terra e no incremento da produção florestal sustentável, como borracha, óleos vegetais, açaí, cacau.”, sugere Miguel Scarcello.

A Serra do Divisor é a única região montanhosa do Acre, com beleza cênica e potencial turístico. A serra ganha esse nome por ser o divisor de águas de duas bacias hidrográficas da região: Médio Vale do rio Ucayali, no Peru, e Alto Vale do Rio Juruá, no Acre, que, com suas cabeceiras, abastecem significativos afluentes do rio Amazonas.
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