Ambos consideram que o projeto de rodovia, orçado em meio bilhão de reais, é uma proposta vazia, desacompanhada de uma contrapartida socioeconômica para a região. Em maio de 2021, o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) abriu edital para contratação de empresa responsável pelo projeto básico de engenharia e execução da obra, no qual dispensa a realização de estudos de viabilidade técnica e ambiental, um requisito obrigatório para obras de grande porte, como é o caso desta rodovia.
“O DNIT fundamenta uma dispensa de estudos de viabilidade econômica e ambiental seguindo uma legislação antiquada, da época da ditadura militar. A Constituição de 1988 rompe com o entulho autoritário. O Tribunal de Contas da União já suspendeu editais do DNIT Brasil afora porque esses projetos geram problemas ambientais e econômicos que não foram mensurados antes. Ainda assim, o DNIT ignora solenemente o parecer do TCU”, explica Lucas Costa.
O procurador relembrou ainda que o processo de construção de estradas na Amazônia é caracterizado por desastres ambientais que, muitas vezes, não foram previstos nos estudos preliminares. Um deles é o “efeito espinha de peixe”. A partir da abertura da estrada principal, esse traçado ramifica, dando origem a ramais alternativos, pequenas estradas, vias vicinais. “O efeito espinha de peixe causa uma devastação imensa, com um impacto além do previsto originalmente”, conta o procurador.
Lucas Costa também deixou claro que o governo peruano já deu declarações oficiais de que não tem interesse na construção da estrada. Desse modo, o projeto de rodovia que seguiria de Cruzeiro do Sul até Pucallpa, no departamento de Ucayali, deverá encerrar seu percurso na fronteira com o Peru e a perspectiva de desenvolvimento econômico e de integração comercial entre os dois países não se efetivará.
“Com esse trajeto, a estrada não levará a lugar algum. Não temos indicativos por parte do Governo Federal ou Estadual que, com abertura da estrada, se incrementará algo que economicamente vai alterar a realidade local no aspecto positivo ou que venha promover grandes mudanças sociais e melhoria na qualidade de vida da população”, complementa Scarcello.
Parque Nacional
O trecho rodoviário em questão, com cerca de 110 quilômetros de extensão, atravessa o Parque Nacional da Serra do Divisor, reconhecido pela paisagem exuberante de grande riqueza ecológica. A construção dessa estrada colocará em risco a biodiversidade de fauna e flora, o que ocasionaria a perda de espécies endêmicas e outras ameaçadas de extinção. Além disso, afetará o modo de vida de comunidades tradicionais que habitam o entorno do parque, como indígenas e extrativistas.
“É preciso garantir o direito desses povos terem seu território respeitado. A economia florestal na Amazônia foi colocada de lado. Precisamos pensar no uso público da terra e no incremento da produção florestal sustentável, como borracha, óleos vegetais, açaí, cacau.”, sugere Miguel Scarcello.
A Serra do Divisor é a única região montanhosa do Acre, com beleza cênica e potencial turístico. A serra ganha esse nome por ser o divisor de águas de duas bacias hidrográficas da região: Médio Vale do rio Ucayali, no Peru, e Alto Vale do Rio Juruá, no Acre, que, com suas cabeceiras, abastecem significativos afluentes do rio Amazonas.