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SOS Amazônia realiza seminário de avaliação intermediária do projeto Nossabio

“É possível os produtos da floresta superarem os valores do boi. Por mais que o boi traga um dinheiro imediato, ele traz também a destruição da floresta, dos seres humanos e das futuras gerações”, diz o seringueiro Raimundo Mendes, mais conhecido como Raimundão. Ele foi um dos extrativistas que participaram do Seminário Nossabio, realizado pela SOS Amazônia, em parceria com o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), com o objetivo de fazer uma avaliação intermediária das atividades do projeto.

O seminário foi realizado entre os dias 15 e 17 de agosto, no Diff Hotel, e contou com a participação de representantes de associações comunitárias que são parceiras no desenvolvimento do projeto em quatro Unidades de Conservação: Resex Chico Mendes, Resex Cazumbá Iracema, Flona Macauã e Flona São Francisco.

O Nossabio busca fortalecer a gestão e a governança dessas unidades com a implantação de cinco cadeias de valor de produtos da sociobiodiversidade: açaí, artefatos de madeira, borracha, cacau silvestre e turismo de base comunitária. A proposta é envolver famílias residentes em cada território para identificar produtos e atividades de interesse econômico que possam representar uma alternativa de sustentabilidade para comunidades extrativistas.

Durante três dias, os beneficiários do projeto compartilharam experiências, colocaram em pauta dificuldades e desafios comuns a esses territórios e discutiram alternativas para potencializar a produção extrativista. A boa notícia é que, após as discussões, o projeto ganhou extensão de prazo de seis meses, com encerramento de suas atividades em julho de 2023.

Dentre os extrativistas, Raimundo Lima foi quem empreendeu o maior deslocamento para participar do encontro. Ele mora às margens do rio Iaco, na comunidade Santa Ana, e somente para chegar ao município de Sena Madureira, interior do Acre, são dez horas de viagem de voadeira, tipo de embarcação movida a motor. Se for de batelão, embarcação mais lenta, a viagem chega a durar cinco dias. Desde 2020, cerca de 50 famílias da comunidade de Raimundo passaram a se dedicar à cadeia de valor do cacau silvestre. O fruto ocorre em abundância às margens do Rio Iaco e até então não era utilizado comercialmente.

Com o aporte do Nossabio, foram realizadas visitas de assistência técnica e extensão rural e florestal, que incluíram oficinas de boas práticas de produção e entrega de kits de segurança para o manejo do cacau. Logo na primeira safra, o investimento trouxe resultados positivos: em 2021, foram produzidos 426 quilos de amêndoa beneficiada na própria comunidade. Cada quilo foi comercializado a 35 reais para uma fábrica de chocolate de São Paulo. O resultado só não foi melhor porque a alagação do rio Iaco comprometeu a safra de outra área de várzea que seria manejada pela comunidade.

“Por questão da natureza, nós tivemos esse atrapalho. Se não fosse isso, a gente chegava a uns 600 quilos de cacau. Somente um produtor chegou a coletar 3112 frutos. No começo, algumas famílias não acreditavam nesse potencial. Agora, com o retorno que a gente teve, outras famílias vão querer participar”, acredita Raimundo. O próximo passo é fazer o plantio de cacau com a implantação de Sistemas Agroflorestais (SAFs). Além dos benefícios ambientais, como a recuperação de áreas degradadas, o cultivo do cacau poderá incrementar a produção extrativista local e a renda familiar.

Durante três dias, os beneficiários do projeto compartilharam experiências, desafios comuns e alternativas para potencializar a produção extrativista (Foto: SOS Amazônia)

Arranjos comerciais
Para Adair Duarte, coordenador de projetos da SOS Amazônia, o investimento em cadeias de valor é estratégico para fortalecer a governança de Unidades de Conservação na superação de diversos desafios e ameaças, como invasão, venda de terra e desmatamento para a pecuária. “As cadeias da borracha e do cacau estão consolidadas, com produção e geração de renda às famílias. A partir do momento em que os extrativistas conseguem ter renda com a floresta em pé, eles passam a conservar o território”, pontua.

Neluce Soares, coordenadora executiva do LIRA/IPÊ (Legado Integrado da Região Amazônica), complementa que o diferencial do Nossabio é o arranjo comercial entre a associação extrativista e a empresa que vai comprar o produto. “Não adianta apenas estruturar a cadeia de valor nas comunidades se não pensar o arranjo comercial. No momento da produção, o extrativista já tem um preço combinado e a empresa tem a garantia de entrega desse produto”, comenta.

Após as discussões do seminário, o projeto ganhou extensão de prazo de seis meses, com encerramento de suas atividades em julho de 2023 (Foto: SOS Amazônia)

Ideal de conservação
O veterano Raimundão, de 78 anos, considera que o Nossabio pode se tornar uma referência de produção extrativista e uma alternativa à atividade agropecuária. “O projeto tem um significado muito interessante e traz um incentivo e um exemplo para aqueles que hoje se ocupam de destruir a floresta, menosprezando o valor que ela tem e achando que o gado substitui a riqueza imensurável que tem ali”, avalia.

Raimundão nasceu e se criou dentro da floresta. Somente aos 20 anos teve a oportunidade de conhecer o ambiente urbano de uma cidade. “Isso demonstra o isolamento em que a gente vivia. Eu peguei essa ligação com a floresta e, posso dizer, a floresta comigo”, diz. Nas décadas de 1970 e 1980, ele participou dos empates organizados pelo primo e também seringueiro Chico Mendes para barrar a invasão de terras e a destruição da floresta. Entre avanços e retrocessos, o conflito fundiário na Amazônia agravou-se ainda mais e as áreas de pastagem passaram a ocupar cada vez mais a paisagem.

Três décadas depois, Raimundão reconhece nas ações do projeto Nossabio o ideal de conservação proposto por Chico Mendes em defesa do modo de vida e do bem-estar da população extrativista. “Esse projeto vem de encontro ao pensamento e às aspirações de Chico Mendes e ao objetivo pelo qual ele trabalhou e deu sua própria vida”, avalia.

Neluce Soares, coordenadora executiva do LIRA/IPÊ (Legado Integrado da Região Amazônica), também faz essa ponte entre o passado e o presente, como a germinação de uma semente que agora apresenta seus frutos. “Lá atrás, com o Chico Mendes e com as lideranças daquela época, se tinha uma ideia de que era possível manter a floresta em pé e gerar renda, e agora a gente consegue ter resultados e números para mostrar ao mercado de que isso é viável”, afirma.

Aos 78 anos, Raimundão defende a conservação da floresta e a produção extrativista (Foto: SOS Amazônia)

Projeto Nossabio
O Projeto Nossabio foi aprovado em dezembro de 2019, por meio do Legado Integrado da Região Amazônica (Lira), programa brasileiro de conservação idealizado pelo Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), com recursos do Fundo Amazônia e da Fundação Gordon e Betty Moore. O programa foi concebido para aumentar a efetividade de gestão das áreas protegidas da Amazônia, como Unidades de Conservação e Terras Indígenas, bem como estruturar cadeias de valor a partir de produtos da sociobiodiversidade.

Cerca de 315 famílias são contempladas em cinco Unidades de Conservação (UCs): Reserva Extrativista Chico Mendes, Reserva Extrativista do Cazumbá-Iracema, Floresta Nacional de São Francisco, Florestal Nacional do Macauã (no Acre) e Parque Estadual de Guajará-Mirim (em Rondônia). A SOS Amazônia é responsável pela gestão operacional do projeto em estreita ligação com organizações sociais, cooperativas e associações extrativistas de cada uma das unidades.

Nossabio busca fortalecer a governança de Unidades de Conservação com a implantação de cinco cadeias de valor de produtos da sociobiodiversidade: açaí, artefatos de madeira, borracha, cacau silvestre e turismo de base comunitária (Foto: SOS Amazônia)
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