Texto: Bleno Caleb | Foto: SOS Amazônia
Duas comunidades extrativistas da Resex Chico Mendes, localizadas à margem do Rio Iaco, no município de Sena Madureira, interior do Acre, participaram de oficina de boas práticas de manejo do cacau silvestre. O primeiro encontro foi realizado entre os dias 14 e 16 de julho, no Seringal Santa Ana, onde 26 extrativistas receberam técnicas de manejo para aumento da produtividade. Na semana seguinte, entre os dias 17 e 19 de julho, a equipe da SOS Amazônia se deslocou até o Seringal Tabatinga, onde 20 extrativistas participaram da oficina.
Entre o conteúdo abordado, os técnicos apresentaram orientações para a limpeza dos pés de cacau, sombreamento, corte dos cipós, controle da vassoura de bruxa e dicas para produção de mudas que serão plantadas nas clareiras existentes nas áreas de manejo. Os encontros foram marcados pela troca de saberes e experiências, em aulas teóricas e práticas.
Felizardo Maia, extrativista do Seringal Santa Ana, avalia que a oficina ampliou a compreensão da comunidade sobre o manejo do cacau, especialmente a respeito dos brotos denominados “ladrões”, que roubam energia da planta e fazem diminuir a produção. “Eu pensava que aqueles brotos bonitos seriam os que mais produziriam frutos, mas, ao contrário, eles só roubam energia da planta e não produzem nada. Acredito que após as atividades de sala de aula e em campo, todos estão prontos para realizar o manejo de nossas áreas de cacau”, avalia o extrativista.
Se engana quem pensa que o manejo e beneficiamento do cacau silvestre é uma atividade restrita aos homens. A cadeia de valor pode reunir toda a família, como afirma a extrativista Glória Maria da Silva, moradora do Seringal Tabatinga. “É uma atividade que nós, mulheres, vamos participar desde a limpeza da área, da coleta dos frutos e também do plantio de novos pés de cacau. O recurso que essa atividade vai nos trazer irá ajudar na alimentação da família para comprar as coisas que precisamos aqui no seringal. Só temos a agradecer à SOS Amazônia”, conta a extrativista.
Durante as oficinas, foram entregues kits de segurança paro o manejo adequado do cacau. Cada kit é composto por bota, terçado, foice, machado, serrote, tesoura de poda e podão. Em setembro, cada família vinculada ao projeto receberá uma ajuda de custo no valor de trezentos reais, para subsidiar os gastos iniciais do trabalho de manejo das áreas de cacau silvestre.
“O manejo deve ser feito de forma contínua e gradativa. Para se tornar um extrativista de muita produtividade é preciso esforço, dedicação e compromisso com a cadeia do cacau silvestre. É trabalhoso, mas o uso de técnicas adequadas gera recompensas positivas”, conta Wenderson Silva, técnico em Agroecologia.
Com recursos do Projeto Nossabio (Lira/Ipê), a SOS Amazônia agrega 50 famílias da Resex Chico Mendes em torno da estruturação da cadeia de valor do cacau silvestre, com atuação direta nos seringais Amapá, Canamari, Santa Ana e Tabatinga. A organização social dos seringais é representada por meio da Associação dos Moradores e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes em Sena Madureira (Amopresema).
Cada família é responsável por manejar, no mínimo, 100 pés de cacau, além de conciliar outras atividades produtivas. Nesse sentido, o Nossabio apresenta benefícios sociais, econômicos e ambientais, por fortalecer a governança comunitária e estruturar cadeias de valor que favorecem a geração de renda e a conservação da floresta em pé.
Para Adair Duarte, coordenador de Projetos da SOS Amazônia, o investimento em cadeias de valor de produtos da sociobiodiversidade é estratégico para conter o desmatamento nas colocações. “Quando as famílias passam a enxergar o território como fonte de renda, elas deixam de desmatar a floresta para transformar em pasto para a pecuária”, acredita.
Atividades futuras
Com o aporte de recursos do Projeto Nossabio, serão entregues dois núcleos de beneficiamento do cacau silvestre, construídos nos seringais Santa Ana e Amapá. A escolha dos seringais é estratégica para otimizar o acesso de famílias que residem nas colocações mais distantes.
A empresa responsável pela obra já foi contratada e cada núcleo terá duas barcaças de secagem das amêndoas, um depósito para armazenamento, dez caixas e uma cobertura para fermentação. A proposta é garantir o beneficiamento das amêndoas na própria comunidade, com a adoção de boas práticas e destinação comercial do produto.
“O projeto foi pensado desde a organização da comunidade, o trabalho de coleta, manejo e beneficiamento, até a comercialização. O produtor já tem a garantia da empresa que vai comprar e uma estimativa do preço que será pago por aquele produto”, ressalta Adair Duarte.
Projeto Nossabio
O Projeto Nossabio foi aprovado em dezembro de 2019, por meio do Legado Integrado da Região Amazônica (Lira), programa brasileiro de conservação idealizado pelo Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), com recursos do Fundo Amazônia e da Fundação Gordon e Betty Moore. O programa foi concebido para aumentar a efetividade de gestão das áreas protegidas da Amazônia, como Unidades de Conservação e Terras Indígenas, bem como estruturar cadeias de valor a partir de produtos da sociobiodiversidade.
Cerca de 315 famílias são contempladas em cinco Unidades de Conservação (UCs): Reserva Extrativista Chico Mendes, Reserva Extrativista do Cazumbá-Iracema, Floresta Nacional de São Francisco, Florestal Nacional do Macauã (no Acre) e Parque Estadual de Guajará-Mirim (em Rondônia). A SOS Amazônia é responsável pela gestão operacional do projeto em estreita ligação com organizações sociais, cooperativas e associações extrativistas de cada uma das unidades.