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Primeiro reflorestamento em Unidade de Conservação no Brasil sofre ameaça

Assessoria Centro de Estudos Rioterra

O primeiro reflorestamento realizado em uma Unidade de Conservação do Brasil, que aconteceu no final de 2020 na Reserva Extrativista Rio Preto-Jacundá, no município de Machadinho D’Oeste, em Rondônia, tem sido alvo de ameaça por parte de grileiros. O fato coloca em questão como a segurança se torna um desafio para a conservação e a restauração florestal no Brasil.

Um dos profissionais do Centro de Estudos Rioterra, organização responsável pelo reflorestamento na reserva, foi parado por dois homens encapuzados e armados, quando tinha acabado de tirar fotografias da área para continuidade do projeto.

“Primeiro eles agiram como se eu fosse da polícia e exigiam que eu mostrasse onde estavam as câmeras escondidas na camionete e entregasse minha arma. Com a arma apontada para a minha cabeça, gritavam e ameaçavam atirar”, conta Milton da Costa Júnior, supervisor de Recuperação de Áreas Degradadas do CES Rioterra.

“Quando entenderam que eu era funcionário da organização que reflorestou, disseram: ‘A gente veio para dar um recado. Eu só quero que você não plante mais aquelas árvores. Se continuar plantando as mudas lá dentro, aí não será mais recado’. Depois me mandaram deitar na camionete e esperar até eles irem embora. E se eu saísse da camionete, me matariam”, lembra Milton.

Apesar de esta ser a primeira vez que integrantes da organização sofrem algum tipo de ameaça em 22 anos de atuação, o fato despertou apreensão em quem trabalha pela restauração e conservação da Floresta Amazônica, e a motivação dos criminosos preocupa.

“Nunca tinha acontecido conosco, e temos certeza que se deu por conta da ampliação da escala do trabalho de reflorestamento e restauração que estamos desenvolvendo aqui na Amazônia. Invasores que utilizavam as áreas ilegalmente com seus pastos não querem perdê-las. Além de lucrar com uma ilegalidade, eles querem evitar um trabalho que gera incríveis benefícios para a comunidade local, empregos e oportunidades de ganhos de forma legal e ambientalmente sustentáveis para as populações da região”, explica Alexis Bastos, coordenador de projetos do CES Rioterra.

“Nossa maior preocupação é a forma como a ameaça se deu. Não se trata de alguém enviando mensagens: param você na estrada e apontam uma arma na sua cabeça. Essa é uma ameaça com potencial de acontecer uma tragédia muito grande”, opinou.

Centro de Estudos Rioterra é responsável pelo reflorestamento na eserva Extrativista Rio Preto-Jacundá, em Rondônia (Foto: Rioterra)

Desafios para a conservação florestal
A área onde ocorreu a ameaça é um território de 260 hectares que tinham sido ilegalmente desmatadas, na Reserva Extrativista Rio Preto-Jacundá, e que no final de 2020 recebeu o plantio de 360 mil mudas de árvores nativas da Amazônia, incluindo cinco que estão ameaçadas de extinção. Este é considerado o primeiro reflorestamento realizado em uma Unidade de Conservação do Brasil.

Com um viveiro com capacidade para produzir até dois milhões de mudas por ano em árvores e plantas nativas da Amazônia, até 2018, as ações de reflorestamento da organização eram direcionadas a propriedades da agricultura familiar, em apoio à regularização ambiental e ampliação de renda dos agricultores.

A partir de 2019, com apoio de organizações internacionais e em parceria com gestores públicos no Brasil, a instituição ampliou sua atuação com ações de reflorestamento e restauração florestal em escala. Nestes ambiciosos projetos, a cobertura vegetal de áreas ilegalmente desmatadas estão sendo recuperadas.

“Já estamos preparando uma nova área à ser plantada e para este novo ciclo de trabalho mudamos os protocolos de segurança e teremos treinamentos com um especialista em ambientes com relações de conflito. Nossa relação com os órgãos responsáveis pela segurança nessas áreas, como a Polícia Ambiental, é de parceria. Durante o período de plantio da área, em que dezenas de pessoas trabalharam, por exemplo, tivemos apoio policial e do Estado. Porém, como vamos nos sentir totalmente seguros quando os envolvidos na ilegalidade não sentem medo?”, analisa Bastos.

José Pinheiro, membro da Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Rio Preto Jacundá (Asmorex), entidade parceira do CES Rioterra na implementação das ações de reflorestamento, também se mostrou preocupado.

“Com essa magnitude, com uso de armas, nunca fomos abordados. Mas anos atrás já fomos ameaçados de forma indireta”, disse.

“Hoje, as invasões na Resex estão em áreas distantes da região onde ficam as comunidades extrativistas. Mas a gente se preocupa muito com essas ameaças e também com o futuro da Unidade de Conservação, pois há uma área onde o desmatamento está acelerado e descaracterizando as condições originais do ambiente. Se esse desmatamento avançar, o que será da nossa floresta? Por isso é tão importante apoiar e dar segurança às iniciativas que promovem a restauração e a conservação”, avaliou.

Área onde ocorreu a ameaça possui 260 hectares ilegalmente desmatados e que, em 2020, recebeu o plantio de 360 mil mudas de árvores nativas da Amazônia (Foto: Rioterra)

Benefícios da recuperação florestal
A conservação e a restauração florestais estão no centro das discussões sobre as mudanças climáticas no planeta. As florestas são essenciais para o clima na terra, elas removem dióxido de carbono da atmosfera e ajudam a regular o clima e o ciclo de umidade.

A Amazônia dispõe de excelentes oportunidades de recuperar ambientes ilegalmente desmatados e fazer disso um modelo de negócio onde a geração de emprego e renda impacta significativamente na remoção de gases de efeito estufa e apoia a conservação da biodiversidade.

Contudo, para ampliar a escala de restauração na Amazônia, é preciso ampliar também a segurança das pessoas envolvidas. “É inadmissível que, em pleno Século 21, estejamos assistindo a eventos negativos como esse. Uma pessoa rouba a terra, rouba a madeira, degradada o ambiente, evita que a comunidade local possa se beneficiar de ações que geram emprego e renda, e ainda se sente no direito de apontar armas para as cabeças das pessoas que trabalham honestamente? O que se passou em Machadinho D`Oeste, com certeza se repetirá em outros locais caso as ações de segurança territorial e das pessoas não estejam em primeiro lugar”, afirmou Telva Maltezo, presidente do CES Rioterra.

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