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Após Ação Civil Pública, DNIT entra com recurso a favor de licitação para construção de estrada entre Brasil e Peru

Por Khelven Castro

O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) entrou com Agravo de Instrumento no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no dia 20 de dezembro, para dar seguimento ao processo de licitação, previsto no edital n° 130/2021, para contratação de empresa especializada na elaboração de projetos de engenharia para a execução das obras da BR-364, no trecho rodoviário que vai de Cruzeiro do Sul, no Acre, até a fronteira com o Peru.

Em contrapartida, organizações ambientalistas, indigenistas, representação dos povos indígenas e comunidades tradicionais apresentaram manifestação, no dia 21 de dezembro, solicitando que fosse concedida a oportunidade de apresentar argumentos que possam orientar a tomada de decisão pelo magistrado do TRF1. A intenção é apresentar ao desembargador de plantão, a quem caberá a decisão, os elementos necessários para o julgamento do pedido do DNIT.

O recurso mobilizado pelo DNIT pede a suspensão da liminar concedida, no dia 14 de dezembro, pela juíza federal Francielle Martins Gomes Medeiros, substituta da 1ª Vara de Rio Branco, que havia interditado o processo de licitação das obras após Ação Civil Pública junto à Justiça Federal do Acre, assinada pela SOS Amazônia, Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá, Comissão Pró Índio do Acre, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira e Conselho Nacional das Populações Extrativistas. 

A decisão favorável da juíza federal considerou que as condições previstas no edital do DNIT violam requisitos legais para execução das obras, dentre eles, a elaboração de estudos prévios de viabilidade técnica e ambiental, a consulta às comunidades tradicionais que serão impactadas pelo empreendimento e o reconhecimento do direito de povos indígenas isolados que vivem na região.

No recurso, o DNIT defende a suspensão da medida da juíza de primeira instância, alegando urgência na assinatura do contrato com a empresa vencedora da licitação. No entanto, não foi apresentada qualquer prova que demonstre prejuízo aos cofres públicos caso seja mantida a suspensão do contrato até manifestação do Ministério Público. Cabe ressaltar ainda que, ao contrário do que propõe o DNIT, não há motivo para apressar o julgamento do caso, visto que o atual período de chuvas na região inviabiliza qualquer trabalho de campo necessário para o desenvolvimento de projetos de engenharia e construção de rodovias. 

A expectativa das organizações autoras é que o julgamento do desembargador Francisco de Assis Betti ocorra somente depois que todas as partes possam se manifestar. O agravo do DNIT representa uma manobra para levar adiante o projeto de construção da rodovia, sem estudos prévios ou consulta às comunidades tradicionais e povos indígenas diretamente impactados pelo projeto de rodovia. 

BR-364
Orçado em mais seis milhões de reais, o projeto de engenharia para a construção da rodovia entre Cruzeiro do Sul, no Acre, e a fronteira com o Peru não demonstra viabilidade econômica e ambiental, indicando que a urgência em sua elaboração atende a interesses políticos e não sociais. Para agravar a situação, o trecho a ser pavimentado, com cerca de 110 Km de extensão, atravessa o Parque Nacional da Serra do Divisor, reconhecido pela paisagem exuberante e riqueza ecológica. 

O projeto coloca em risco a biodiversidade de fauna e flora, o que ocasionaria perda de espécies endêmicas e outras ameaçadas de extinção em uma das áreas com maior biodiversidade da Amazônia. Calcula-se que os impactos socioambientais relacionados aos recursos hídricos sejam irreversíveis, visto que alteraria a dinâmica dos rios. A Serra do Divisor ganha esse nome por ser o divisor de águas de duas bacias hidrográficas da região: Médio Vale do rio Ucayali, no Peru, e Alto Vale do Rio Juruá, no Acre, que, com suas cabeceiras, abastecem significativos afluentes do rio Amazonas. 

“O trajeto da estrada causaria uma alteração na dinâmica dos rios que nascem dentro do Parque Nacional, o que, consequentemente, prejudicaria muitas famílias que vivem às margens dos rios Azul, Paraná dos Mouras e Juruá Mirim”, explica Scarcello. 

Sendo assim, se construída, a estrada poderá afetar diretamente as Terras Indígenas (TIs) Puyanawa, Nawa, Nukini. Poderá impactar também as TIs Jaminawa do Igarapé Preto, Arara do Rio Amônia, Kampa do Rio Amônia, Kaxinawá-Ashaninka do Rio Breu, e as comunidades tradicionais da Reserva Extrativista do Alto Juruá e dos Projetos de Assentamento Havaí, São Pedro e Paraná dos Mouras. 

Os povos em isolamento voluntário que vivem na Reserva Indígena Isconahua, no Parque Nacional Sierra Del Divisor e na Reserva Comunal Alto Tamaya Abujão, também estão em risco, além das Comunidades Nativas San Mateo e Flor de Ucayali, dos povos Ashaninka e Shipibo- Conibo, no Peru. Dessa forma, o projeto fere os direitos ambientais e ameaça diretamente os direitos territoriais das populações indígenas e comunidades tradicionais que vivem na região. 

Considerando os impactos que a obra poderá trazer para a vida das populações que vivem no território, é necessário que as autoridades dos Estados cumpram os requisitos legais de planejamento com responsabilidade e que promovam uma discussão ampla e de boa-fé com os mais diversos segmentos sociais da região.

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